30.12.09

De que cor era teus olhos?


De que cor era teus olhos?
Verdes? Talvez.
Azuis? Já não me lembro.
Olhos, quem sabe, negros...
Como a noite que há agora.

Sei que neles, pela primeira vez,
Mergulhei nu de pele e alma.
Da retina, deslizei ao canto
E rolei como uma lágrima...
Um oceano de vida condensado numa gota.

Tua boca sorveu-me salobro
E adentrei para além do teu físico,
Transcendendo tuas mucosas quentes
Na vaporização dos teus humores...
E então sussurraste-me ao ouvido: _Amor.

Mas a vida escorreu num declive,
Apossando-se o tempo, das horas.

E eu, aqui,
Já nem me lembro mais
Qual era a cor dos teus olhos.


Frederico Salvo


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24.12.09

Elipse interrompida



Se há ciclos naturais que se fecham perfeitamente
Como o evaporar da água e o precipitar da chuva,
Como os dias e noites que se encaixam como luva,
Cedendo lugar um ao outro... sucessivamente.
Ou ainda como a semente, essência dentro da fruta,
Que mais tarde engravida a terra e vinga germinando
Dando seqüência à vida que contínua vai girando
Num desenrolar infindável, numa eterna permuta;
Sigo a pensar solitário sobre algo que me intriga:
Se todo ciclo se fecha; isso nos dá um norte.
Há uma coisa incompleta, uma elipse interrompida,
Uma peça sem encaixe, uma ponta que não liga.
Se na vida, naturalmente, encontraremos a morte;
Na morte, certamente, há que se encontrar a vida.


Frederico Salvo


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19.12.09

Poema para Marina


(Esse poema foi feito há alguns meses para Marina, filha da minha querida amiga Helen de Rose.
O que me levou a fazer essa pequena homenagem foi um texto da Helen chamado "Marina seu desafio é sobreviver...".


Não sei, Marina, como é teu rosto;
Não sei sequer a cor dos olhos teus.
Escrevo agora aqui com muito gosto
Por tua vida, a qual elevo a Deus
Numa prece deveras comovida,
Em estrofes repletas de emoção,
E peço a Ele que te sejas concedida
Toda força desse mundo ao coração.
Porque desde menina foste entregue
Para que Deus-Pai, Marina, a carregue.

Não há como medir, os braços leigos,
O peso desse fardo que carregas
Eu fico a imaginar teus olhos meigos
Eu tento enxergar, mas fico às cegas,
A força que em ti vive calada,
A luz divina viva em teu semblante
A tudo ilumina nessa estrada
E ofusca até a mim, mesmo distante.
Porque desde menina foste entregue
Para que Deus-Pai, Marina, a carregue.

Fiquei sabendo assim em texto breve
Das dores lancinantes dessa sina.
Saiu da mão de quem tão lindo escreve,
Da mão de tua mãe, linda Marina.
Eu li aqui sozinho no meu canto,
Fiquei a par da tua dor extrema,
Soou-me como um triste acalanto
E eu vim orar por ti nesse poema.
Porque desde menina foste entregue
Para que Deus-Pai, Marina, a carregue.



Frederico Salvo.
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14.12.09

Sobre bichos e anjos


Deixemos que nossos bichos extravasem os limites das jaulas
E venham aos nossos corpos febris de desejo
Arrancando a nossa segunda pele
Moldada pelo ranço que castra,
Pela manta hipócrita e madrasta.
E nos afoguemos no jorro dos líquidos corpóreos
E nos dedos que passeiam espontâneos pelos corpos
E na sã insensatez de lancinantes beijos;
E que nossas bocas se abram às palavras certas
Aos sussurros desconsertantes que alucinam
E aos que, em baixo calão, nos embriagam.
E que nos lancemos juntos na explosão do gozo,
Quando os olhos vêem, mas não distinguem,
Quando a língua nem sabe que vive na boca
E em transe pronuncia outros idiomas;
Depois deixemo-nos ficar sobre o leito
Até que os bichos nos deixem a carcaça
E possam se apossar de nós, com suave graça,
Os anjos que precisam ser o oposto disso tudo.


Frederico Salvo


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6.12.09

Soneto ferido


Queria dizer-te do amor, dos enganos
E das armadilhas que há nos caminhos.
Do que eu colhi ao longo dos anos,
Do cheiro da flor, da dor dos espinhos.
Queria dizer-te do quanto fiz planos,
Do quanto quis ter de novo teus carinhos.
E mesmo afirmar que, apesar de insanos,
Meus versos são aves que voltam p’ros ninhos
A procura de abrigo p'la noite escura,
Em busca de pouso p'la vida dura,
Que arrulham sozinhas p'la madrugada
Soluços do nosso convívio perdido. . .
Assim como esse soneto ferido
Somente é saudade feroz. . . e mais nada.


Frederico Salvo


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28.11.09

Alice no país das aparências


Por mais que o tempo passe eu me recuso
A dar por finda a alma de menino,
Porque se faço assim me tenho excluso
E sendo só adulto me confino

No rol da pequenez e da mesmice
Que abunda nesta terra tão tacanha;
Melhor viver assim como Alice
Do que me aventurar nesta façanha

De dar à vida, assim, um tom tão sóbrio
Ou boicotar-me à sombra do status
Por ter que digerir incoerências.

Prefiro ser menino a ser tão óbvio;
Viver se repetindo aos mesmos fatos,
Bailando no país das aparências.


Frederico Salvo


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24.11.09

Fogo príncipe



D’onde vem energia tanta
Que põe ímpeto em tuas veias?
D’onde surge essa fúria santa
Para ires onde anseias?
D’onde flui a ancestralidade
Que a ti trouxe o fogo príncipe?
D’onde virá essa verdade,
Ápice vivo dessa cúspide?
Vem de remotas vivências;
Complexa genealogia
Intrínseca nos passados teus;
E essa vem da transcendência,
Da luminosidade que guia
Que acostumaste a chamar de Deus.

Frederico Salvo



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21.11.09

Em suspenso


Adormece, vida. Adormece.
E eu entrego-me a minha cama.
Em suspenso põe o nosso drama.
Enquanto esqueço, tu me esqueces.
Adormece, pois quem me ama
Já está guardado numa prece
E as dúvidas, que bem conheces,
Estão no bolso do pijama.
Adormece e por fim descansa
Das tarrafas que o convívio tece
E depois em nossas águas lança.
Vá. Repousa, pois a mim parece
Que por hoje basta essa aliança.
Boa noite, vida. Adormece.


Frederico Salvo



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18.11.09

Vento interno


As nuvens rajadas do céu de abril
Chegaram sob a força de um vento
Que passou pelo meu rosto,
Beijando-me os olhos e lábios.

Em raios ainda tímidos, o sol,
Pela manhã, trouxe um abraço leve
Em sua energia pura de fogo
Sobre o meu costado nu.

Distraio-me com o balanço das folhas,
Açoitadas por esse mesmo vento.
Ainda não sabem que em poucos dias
O outono as jogará ao solo.

Serão apenas uma lembrança
Daquilo que um dia foram.

Há em mim também um vento interno
A balançar-me em saudade.
Sou um galho seco,
Um caniço solitário.

Vai distante a primavera.
As imagens que um dia foram flores
Adubaram o solo da minha terra
E fui um caule em desenvolvimento.

Senti a seiva dentro de mim,
Circulando pelas veias.
Alguns vieram depois
E deitaram-se sob minha sombra.

Houve deleite em sorrisos alegres
Antes do meu primeiro outono.
Depois caíram-me as folhas,
Aos meus pés, sombra não mais havia.

Perderam-se os sorrisos alegres...
os votos eternos...
Eu prossegui, resignado,
Às voltas com um monstruoso inverno.


Frederico Salvo.
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15.11.09

Exatamente



Não ficarei a julgar-me por ser isso ou não ser aquilo. Talvez pudesse ser muito mais ou então estar muito aquém do que sou hoje. Portanto, não escapo de carregar exatamente o fardo que mereço.


Frederico Salvo
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12.11.09

"Eulefante"


Que diferença há tão gritante
Entre mim e o imenso elefante
A não ser as enormes orelhas,
E o paquiderme não ter sobrancelhas?
Talvez por não ter pés redondos
Ou por não temer camundongos,
A ele, enfim, não me assemelhe.
Ou a silhueta não se espelhe.
Mas sinto que há comumente
Entre mim e esse ser diferente,
Algo único de rara beleza:
A essência da mãe natureza.


Frederico Salvo


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7.11.09

Imperfeito


Pudesse desfazer o que foi feito.
Tivesse como ter o que não posso.
Se fosse qualidade o meu defeito
E o drama de viver não fosse nosso.
Se Cristo fosse o próximo eleito
E a perna alcançasse além do passo.
Se não houvesse tanto preconceito
E a vida afrouxasse um pouco o laço.
Seria eu o mesmo que escreve
O desconsolo num soneto breve?
Seriam assim as linhas que eu traço?
Melhor que seja mesmo desse jeito,
Pois tudo o que no mundo tenho feito
É por não ser perfeito que o faço.

Frederico Salvo




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5.11.09

Natureza morta



Tu disseste que hoje o vaso está repleto
E a saudade aglomera-se em teu peito.
Tuas flores fazem tudo estar completo
Num arranjo muito mais do que perfeito.
Esse vaso é o meu coração de lata,
Essas flores são teus sentimentos quentes;
Quebram o gelo que o esfria, mas não mata;
Derretida pedra em tuas mãos ardentes.
Cai à noite e imponente sobre a mesa
Dorme o vaso, sob a luz da incerteza,
Da distância... aço frio que me corta.
Os teus dedos me escrevem um carinho
Que não salvam-me da dor de estar sozinho
Nos matizes dessa natureza morta.


Frederico Salvo

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Desenho de Leonardo Menescal

2.11.09

Foge agora! ( Uma homenagem a Dorival Caymmi)


(Poema escrito na época do falecimento de Dorival Caymmi)


Deixa pesar sobremaneira o teu corpo
E entrega tua resistência agora
Que já não tens mais força para a guerra.
Anda, pois é quase passada a hora
E a velha chama clara se encerra
No esperar, sábio e guerreiro, que jaz morto.

Lança da tua boca o último grito
Ao mundo que te parece distante;
Aperta a mão de quem está ao teu lado.
Faça da lembrança, dileta amante
E do sonho perdido, consolado;
Arremessa teus versos ao infinito.

Da dor retira o último sorriso
E joga como semente à boa terra
Para que haja lume no teu rastro.
Sobe até o ponto mais alto da serra
E assiste ao que agora é justo e preciso;
Põe tua bandeira a meio mastro.

E dorme, e dorme, e dorme, e dorme calmo,
Pois só louco amou como tu amaste
E teu canto pela pátria se espalha
Como a grandeza bem-vinda d’um salmo
Que encanta na voz de quem encantaste;
Foge agora! Vá p’ra Maracangalha.


Frederico Salvo
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31.10.09

Por que me persegues?


Na estrada de Damasco...
Um susto.
Cavalos momentaneamente bípedes,
De olhos arregalados...
Arfantes.
Relinchos de apavoramento.

Um homem cai ao chão
Num estrondo surdo.

A escuridão toma conta do seu universo.

Ouvidos se abrem a uma voz interna:
_ Por que me persegues?

Depois,
Numa cama rota,
O toque de alguém que,
Guiado pela mesma voz,
Viera ao seu encontro.

A luz se fez novamente.

A partir daí,
Cólera deu lugar à obstinação;
Intemperança deu lugar à fé;
A chama passou a ser conduzida
Por aquele que antes,
Cego para muito além da cegueira,
Arrancava olhos...
Completamente desdentado...
Extraía dentes.


Frederico Salvo


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PAULO DE TARSO

O apóstolo Paulo de Tarso, cujo nome original era Sha'ul ("Saulo") (Tarso, c. 9 — Roma, c. 64) é considerado por muitos cristãos como o mais importante discípulo de Jesus ("Yeshua") e, depois de Jesus, a figura mais importante no desenvolvimento do Cristianismo nascente.
Paulo de Tarso foi um apóstolo diferente dos demais, por ter dado maior ênfase aos irmãos gentios, pois seu chamado era destinado a eles que estavam espalhados pelo mundo (Atos 13:47). Paulo, assim comos os outros Verdadeiros Apóstolos, também teria visto Jesus Cristo (Atos 9:17, I Coríntios 15:8, dentre outros textos). Paulo era um homem culto, pois era fariseu seguidor de rabi Gamaliel. Destaca-se dos outros apóstolos pela sua cultura, considerando-se que em sua maioria era de pescadores. A língua materna de Paulo era o grego. É provavel que também dominasse o aramaico.
Educado em duas culturas (grega e judaica), Paulo fez muito pela difusão do Cristianismo entre os gentios e é considerado uma das principais fontes da doutrina da Igreja. As suas Epístolas formam uma secção fundamental do Novo Testamento. Alguns afirmam que ele foi quem verdadeiramente transformou o cristianismo numa nova religião, e não mais uma seita do Judaísmo.
Foi a mais destacada figura cristã a favorecer a abolição da necessidade da circuncisão e dos estritos hábitos alimentares tradicionais judaicos. Esta opção teve a princípio a oposição de outros líderes cristãos, mas, em consequência desta revolução, a adoção do cristianismo pelos povos gentios tornou-se mais viável, ao passo que os Judeus mais conservadores, muitos deles vivendo na Europa, permaneceram fiéis à sua tradição, que não tem um móbil missionário.

MISSÃO DE DAMASCO

Saulo, ferveroso defensor da tradição judaica (e por isso talvez mesmo um zelote), foi enviado a Damasco para fazer face à agitação dos seguidores do "Caminho".
Foi durante esta missão a Damasco que Saulo tomou o partido dos cristãos que perseguia anteriormente. Foi aqui que Paulo, indo no caminho de Damasco, já perto da cidade, viu um resplendor de luz no céu que o cercou, e caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: "Saulo, Saulo, por que me persegues?". (Atos 9.1-22) Paulo muda de lado. A esta mudança de partido ele fez corresponder uma mudança de nome. Abandonou o nome Saulo e, deste momento em diante, fez-se conhecer como Paulo.
(texto Wikipédia)

28.10.09

Corpo e alma


Onde termina o corpo
E onde começa a alma?
Em que recanto do organismo?
Em que célula remota?
Tenho por mim
Que são faces da mesma essência:
O corpo é alma densa;
A alma é corpo no máximo do etéreo.
Dentro de cada um
Reside uma porção do outro.
Faz-se a dança da vida
Na homogênea mistura.
Assim como a lua clara
Ilumina a noite escura.
Assim como a água fria
Abranda o calor da fervura.


Frederico Salvo

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24.10.09

Num canto qualquer


Num canto qualquer
Agora dorme meu nome,
Amassado num retalho.

Num canto qualquer
A solidão consome
Meu sorriso do retrato.

Num canto qualquer
Na penumbra do quarto,
Meu poema evapora.

A saudade vem,
Esmiúça, dá-me um beijo
E leva embora

Um canto qualquer
Que cantei um dia,
Que compus calado.

Foi-se a cadência do samba
Nas frases dolentes d’um fado.


Frederico Salvo


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18.10.09

Colcha de retalhos


Teço, como quem tece colcha de retalhos,
Unindo cada imagem dos sonhos que tenho;
E ainda os enfeito com alguns penduricalhos.
(Para que sejam versos melhores, me empenho.)
Pinto-os com cores de diversos matizes,
Para que aos olhos cheguem sempre com graça
E venham a ser, assim, como cicatrizes,
Marcas indeléveis nesse tempo que passa.
Quando mais tarde lançar os olhos, saudoso,
Por entre as frases que deixo nesses meus versos,
Quero sentir de novo o que senti um dia
E poder desfrutar novamente esse gozo,
A lembrança feliz de momentos diversos;
Retalhos de sonho, vivência, fantasia.


Frederico Salvo

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16.10.09

Poema divino


O poema divino tem palavras tantas
E, no entanto, nenhuma delas se repete.
A nenhuma, domínio sobr’outra, compete.
Nem mesmo às ditas chulas, nem às ditas santas.
O poema divino é poesia branca,
Onde rimas se dão por outras competências.
Métrica? Desafia o poder das ciências.
Ritmo? A qualquer estilo, a qualquer forma, desbanca.
No poema divino, cada ser humano
É uma palavra única, um verbo soberano
A projetar o bem e o mal que a vida canta.
E assim, por ser divino, é incompreensível;
Ao mesmo tempo é claro e é indecifrável.
Aos olhos de quem lê, escandaliza e encanta.


Frederico Salvo


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13.10.09

Reação


Qual de nós, por mais manso que fosse, sob constante provocação, não reagiria com uma palavra áspera ou, além do limite do autocontrole, com um gesto impensado e, quem sabe, violento? Por mais incômoda a imagem, parece natural que seja assim. Um dia, talvez inesperadamente, essa pessoa reage. Tomemos por exemplo outra criatura: a cobra. A idéia que fazemos dela, grosso modo, não é lá das melhores, mas ela apenas guarda suas características naturais. Ali em seu ambiente, utiliza sua peçonha na caça às presas que lhe servirão de alimento ou no intuito de se proteger. Ao ser acuada, seja por um predador ou por um homem desavisado, simplesmente reage e lança seu veneno. Dito isso, prossigo.
Temos assistido, boquiabertos, a fenômenos naturais a cada dia mais violentos. Muitos seres humanos têm desencarnado ou sofrido as conseqüências trágicas desses acontecimentos. Frente à televisão, tendemos a perguntar se existe mesmo um Deus, e se existe, como Ele permite que haja tanto sofrimento. Ora, Deus é simplesmente o bem maior, e é onipresente, e está em toda a natureza que, como no exemplo da cobra, simplesmente reage. Sim. Reage frente ao nosso comportamento destrutivo, ao nosso descaso constante. Ele reage implacável frente ao exercício do nosso livre arbítrio, que infelizmente tem nos levado por um trajeto que na certa desembocará no lago da nossa própria destruição. Somos capazes de um desenvolvimento tecnológico inimaginável, capazes de dar um passo gigantesco no espaço e desbravar outros planetas, mas, contraditoriamente, não somos capazes de somar dois mais dois, no que tange à preservação da natureza e conseqüentemente à nossa própria preservação. Há que se encontrar uma outra política que minimize essa infelicidade, um outro caminho onde possamos pensar mais em “nós” e esquecermos um pouco o “eu”. Enquanto isso não acontece, alguns comentam os resultados dos jogos de fim de semana, outros se orientam e manipulam os índices econômicos. Uma minoria, pouquíssimos, sobe em telhados e grita contrária a tudo isso. Mas a maioria, além de cega, também não tem ouvidos para esse apelo.


Frederico Salvo

10.10.09

Motivo


Em mim o mundo – tu disseste –
Parece fazer sentido.
Eu digo: em ti a vida veste
Áureo e lindíssimo vestido.

Em mim o outono se fazia
E me despia inconteste.
Em ti o amor adormecia
E embevecida tu me deste

A chave do fazer-me novo,
Da esperança a semente.
Eis o motivo porque sorvo
E vou degustando quente

Esse amor que é meu leste,
Meu esteio e meu estorvo.


Frederico Salvo


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Direitos efetivos sobre a obra.

9.10.09

O país do faz pra mim


Ah! Que triste fim. Que triste fim.
Viver no país do faz pra mim.
Lá tem ovo, tem mandioca,
Tem batata e amendoim,
Mas não tem sopa, nem paçoca,
Não tem purê, nem quindim.
É o país da riqueza,
Dos tesouros no jardim,
Mas falta feijão sobre a mesa,
Sobram preguiça e capim.
Lá tem calor à vontade,
Tempo bom e eterno assim,
Mas falta a luz da verdade,
Há um breu maior enfim.
Tem o progresso por conduta
E igualdade por fim,
Mas com tanto filho-da-puta
Roubando; Será que sim?
Eu faço a denúncia em verso,
Pois prosa não é pra mim.
Por isso, amigo, te peço:
_Piedade! Faz pra mim?


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

7.10.09

Entrevista no site Luso-poemas


Bom. Como escrevi no comentário sobre a entrevista de Maria Verde, penso não ter tanta coisa interessante a contar, mas passo a fazê-lo aqui no intuito de me dar a conhecer a todos amigos desse sítio, que tem sido para mim um recanto de muito aprendizado.
Nasci no vigésimo terceiro dia do mês de julho do ano de 1964. Sou natural de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. Sou fruto de uma família simples. Minha mãe, Lina, natural de Nova Lima, cidade próxima à Belo Horizonte, era professora primária e também cabeleireira nas horas vagas e fins de semana. Meu pai, Paulo, natural de Curvelo, município situado exatamente no centro do Estado de Minas Gerais, trabalhava no comércio e era vendedor viajante. Tenho um irmão, Leonardo, que hoje reside em Curitiba no Estado do Paraná. Das lembranças da minha primeira infância as principais imagens são as que me vejo nos ombros do meu pai, passeando pelas ruas ensolaradas do bairro; a cabecinha branca da minha querida e saudosa avó Petrina, que fazia sempre questão de que me recostasse em seu colo, mesmo depois de mais velho; as idas ao estádio de futebol em companhia de minha tia Lúcia, fanática pelo Cruzeiro, time pelo qual tenho grande carinho. Meus primeiros anos de estudo aconteceram no Colégio Municipal de Belo Horizonte, numa época em que o ensino público era o que havia de melhor, realidade que, infelizmente, é hoje exatamente inversa. Aos treze anos ganhei de minha avó Petrina o meu primeiro violão e a possibilidade de começar a aprender o instrumento. Num primeiro momento não gostei da idéia, mas depois tal fato faria muita diferença. Por esse tempo comecei a conviver com alguns amigos que tocavam e também se arriscavam com algumas composições próprias. Passei a me interessar pela atividade e a estudá-la. Foi nessa fase que iniciei um contato maior com a poesia nas composições das minhas primeiras músicas. Formei juntamente com esses amigos o Grupo Morro Velho, nome retirado de uma canção do grande cantor e compositor Milton Nascimento, que exerceu sobre todos nós grande influência. Durante toda a década de oitenta tivemos um intenso convívio, fazendo apresentações, participando de festivais musicais por todo estado de Minas Gerais e também tocando pelos bares e casas noturnas da minha cidade. Foi um tempo inesquecível. Uma grande paixão por tudo isso me levou à Escola de música da Universidade Federal de Minas Gerais, onde estudei por quatro anos. Também fui funcionário da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais, onde ingressei por concurso público aos dezessete anos de idade. Por lá trabalhei até a extinção da entidade que aconteceu no governo do então presidente Fernando Collor de Melo. Esse fato me levou a abraçar uma oportunidade de emprego na cidade de São Paulo, onde residi por quase uma década. A passagem por lá me rendeu o reencontro com meu pai, que poucas vezes vi na infância e adolescência, e que reside por lá desde os meus sete anos, quando ele e minha mãe se separaram. Em São Paulo também aconteceu o nascimento de meu amado filho Bruno. De volta a Belo Horizonte, numa difícil situação de desemprego, tive a felicidade de conhecer e trabalhar com massoterapia, atividade a que hoje me dedico e que se tornou uma ótima profissão. Ainda estudo a matéria e também acupuntura pelo Instituto Mineiro de Acupuntura e Massagem. – IMAM. Cheguei ao Luso-poemas há quase dois anos e por aqui fiz boas amizades. Minhas poesias saíram da gaveta através do incentivo da minha querida amiga Márcia Oliveira, que eu já conhecia antes de chegar por aqui e que, um dia, ao ler alguns poemas meus, me convenceu a levá-los ao conhecimento de outras pessoas. Passei a fazê-lo e acredito ter valido à pena. Para minha surpresa estou eu aqui hoje, escolhido por uma colega inteligente e capaz, pela boa aceitação dos meus versos. Essa seria a linha mestra da minha trajetória que certamente tem agregada a si tantos outros fatos e emoções diversas.


Frederico Salvo, este mineiro talentoso, surgiu no site luso-poemas em 23 de Janeiro de 2008, dizendo o seguinte sobre si: “No meu sonho mais puro e sincero/Quis ser, inocentemente, eterno./Forte eu era. Inabalável sempre./Ao acordar, optei por ser apenas um homem.” Desde então, com mais de trezentas publicações no luso, tem encantado a todos com sua escrita talentosa e, como costumo dizer, elegante. Elegante pela escrita cuidada, clara e musical, abraçando temas universais diversos, expostos pelo seu olhar particular. Em seus poemas podemos ler algo profundamente sentimental ou saudosista, com textos sobre sua terra, sua infância, amores, amizade, paternidade, entre outros; bem como belíssimas homenagens a artistas das letras e da música como Dorival Caymmi, Drummond, Tom Jobim... A meu ver, o que concede unidade a poesia do Frederico é a busca do eu-lírico a fim de conhecer-se a si mesmo, singrando temas bastante meditativos. O passado é um assunto recorrente em sua poesia, através de reminiscências da sua infância e da sua terra natal, como observado nesses versos “Ainda somos as crianças, querida;/Que outrora fomos num recente passado./Ainda ouvimos as remotas cantigas/Agora em ritmo tropo, sincopado./ Trocamos balas, doces por prazeres/Outros, porém não menos infantis;/Fazemos birra por mortais quereres/Tão sutilmente... (nem percebo que fiz).” Frederico Salvo carrega nas veias todas as características inerentes a um grande poeta de mente criativa e produtiva que se mostra à vontade para manipular a língua e a linguagem, dentro de um suporte ideológico transparente, mas longe de qualquer lugar comum.


- Frederico, ao ler sua biografia, senti a emoção de suas palavras, ao falar da sua querida avó Petrina e mais ainda, do seu pai, com quem durante a infância teve pouca convivência, mas com momentos muitos ricos, como a lembrança que você guarda de passear pelas ruas ensolaradas de sua terra natal, sobre os ombros do seu pai. Quer nos falar dessas duas pessoas tão importantes em sua vida?

É sempre uma grande emoção falar a respeito da minha querida e saudosa avó Petrina. Mulher de coração e docilidade imensuráveis. Foi ela quem enxergou em mim a sensibilidade para a música e me deu a oportunidade de desenvolvê-la. Mesmo com sua pouca instrução era capaz de dizer grandes verdades como quando, por exemplo, bem no meio de sua oração diária, vendo algum deslize na minha imaturidade, soltava : “ Um homem mentiroso se perde em si mesmo”. Pequenos toques que acredito terem contribuído na construção de meu caráter. Em síntese era ela o centro gravitacional de toda a família. Um sol que brilhou intensamente e que mesmo depois de se pôr, ainda faz sentir a dádiva do seu calor. Quanto a meu pai, guardo muitas lembranças boas. Acontecimentos da infância, alguns poucos encontros na adoloscência, o convívio maior quando estive em São Paulo. Há entre nós atualmente uma grande amizade. Por muito tempo alimentei uma certa mágoa, por ele ter se afastado tanto, mas hoje sei que teve seus motivos. Perdoamo-nos e isso para mim representou o fim de um grande descontentamento. Registrei essa passagem há algum tempo no soneto “O cisco e a trave”.

Tive dúvidas sim. Não as escondo.
Por ter ferido à mágoa o peito ardente.
O orgulho a me prender sob os escombros
E o não, feito parede à minha frente.
Por todos esses anos, ressentido,
A esperar de ti algo que fosse
De encontro a todo tempo ora perdido,
Ao âmago da dor que a vida trouxe.
Cansado de esperar corri o risco
E fui estar contigo resignado,
Disposto a acabar com esse entrave.
E foi assim então, meu pai amado,
Que do teu olho eu tirei o cisco
E tu do meu, enfim, tiraste a trave.[/color]

- A música para você é uma grande paixão, que como vimos, o levou a fazer “apresentações, participando de festivais musicais por todo estado de Minas Gerais e também tocando pelos bares e casas noturnas da minha cidade... Uma grande paixão...”. Sendo assim, há alguma influência desse amor à música ao mundo da poesia?

Na verdade se não houvesse a música, não haveria também a poesia. Meus primeiros versos nasceram da necessidade de aplicar imagens às melodias que fui criando no violão. Desde o primeiro momento em que aprendi a tocar alguma coisa, tive um grande impulso no sentido de compor. Ainda hoje quando me assento a burilar as cordas do instrumento me vêm melodias novas que passo então a desenvolver. Muitas jamais tiveram letra, mas outras tantas foram preenchidas pela palavra. A poesia hoje tem papel principal e faz parte do meu dia-a-dia, mas acredito mesmo que se não fosse através do viés da música não a teria desenvolvido.

- Frederico Salvo, uma das características que me sinto à vontade de atribuir a você é a escrita elegante e bem cuidada, de olhar amplo sobre a vida e os homens, sendo o soneto uma das formas mais usuais de sua poesia. Podia nos falar um pouco disso?

Gosto particularmente do soneto, pois, além de uma bela forma estética de se fazer poesia é também, para mim, uma grande brincadeira. Um desafio. Quando alguma situação desperta meus sentidos, passo a desenvolvê-los em versos, visando satisfazer as rimas e à métrica. Além de uma boa forma de me expressar é também um grande passatempo. O conteúdo é sempre aquele que mexe profundamente com a maioria, mas que vão transcorrendo pela vida como se fossem naturais. A desigualdade entre os homens, a hipocrisia, o desamor à natureza e a nossa insistência ocidental de nos vermos à parte dela, a incoerência do ser humano frente às necessidades impostas pela vida real. Há também, como não poderia deixar de ser, o tema maior de quase todos nós poetas: o amor. Gosto também de me aventurar pelo erotismo às vezes. Esse aqui descreve bem o exercício da composição dos sonetos. Deixo como complemento à minha resposta.
OS QUATORZE VERSOS

Bem aqui nessa caixa hermética
Cabem sonhos, idéias e amores.
Cá dentro dessa forma estética
Avizinham-se risos e dores.
No ígneo cadinho da vida
Liquefaz-se a verdade que somos
E aqui a matéria escolhida
Se reparte em pedaços ou gomos.
Apesar de restrito o espaço
Trago sempre atada num laço
Toda a trama a que me comprometo.
Cabe assim esse mundo inteirinho,
(Como um odre a conter todo o vinho)
Nos quatorze versos do soneto.

- Frederico, do que se alimenta a sua escrita? Ou seja, sua poesia se inspira em algum poeta que você admira? Também pode nos dizer em que ponto sua vida e sua obra se confundem?

O grande compositor Antônio Carlos Jobim dizia ouvir pouca música para que sua inspiração não sofresse demasiada influência e pudesse, dessa maneira, chegar-lhe clara e com naturalidade; para que realmente tivesse a sua “cara”.Sei que bebeu na fonte de Heitor Villa-Lobos, principalmente, além de outros grandes da música popular brasileira. Mas, sem sombra de dúvidas, a música do Tom tem sua assinatura. Quem ouve uma melodia composta por ele, quase que de imediato sabe tratar-se de uma obra sua. De certa forma tento fazer assim também. Apesar de admirar sobremaneira poetas como Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Olavo Bilac, Vinícius de Moraes, Mário Quintana, dentre outros, quase nunca me inspiro em um deles para fazer meus trabalhos. Deixo vir espontaneamente e acredito que consiga dar aos meus poemas um traço pessoal que os caracterizam. Sobre a segunda parte da pergunta, posso afirmar que é tão tênue a linha que separa o cidadão do poeta que nem sei qual deles está a lhe responder agora.

- Uma questão que acho de suma importância, e sendo assim, não poderia deixar de fazê-la, diz respeito ao seu olhar sobre a sociedade. O que você tem a nos dizer sobre o mundo e as pessoas?

Acho sinceramente que a maioria de nós se distancia de si mesmo para viver em sociedade.A luta pela dignidade, a necessidade imediata de provir o amanhã, muitas vezes nos leva por caminhos tortuosos que, ao serem trilhados, passam distante daquilo que verdadeiramente gostaríamos de ser e viver. Ao tentarmos “voltar” para perto de nós mesmos, nos vestimos de egoísmo na busca do acúmulo, dos bens materiais, para que, num hipotético dia, possamos enfim, resguardados por tudo isso, estar na pele daquele que sonhamos outrora e que, de certa forma, se perdeu no turbilhão que o mundo faz. E acho que por sermos assim o mundo é o que todos sabemos que é. Pelo menos para mim a poesia significa um passo na busca desse reencontro. Meu trabalho hoje também me leva nessa direção. Levo uma vida muito mais simples de que alguns anos atrás. Tenho me sentido melhor assim.

- O que o espaço-luso poemas é para você, qual a importância ou contribuição que esse espaço literário tem em sua escrita?

Tirei meus poemas da gaveta e os trouxe para cá, descobrindo que, a despeito de minhas dúvidas sobre a qualidade deles, muitos gostaram e ainda hoje me elogiam. Fico muito feliz por isso e tendo então a querer dar continuidade a essa atividade. Escrever é uma forma de trazer à luz o que me vai no íntimo, o que proporciona grande satisfação. Portanto o Luso tem sido muito importante, visto que aqui, sob olhar de pessoas que como eu gostam e vivem poesia, tenho a oportunidade de dar continuidade a esse exercício. Também não posso deixar de dizer a respeito das boas amizades que fiz. Pessoas que mesmo de maneira virtual, passaram a ter grande importância na minha vida. Ressalto ainda o fato de que nosso contato com as pessoas segue por um caminho inverso ao convencional, mas muito saudável e interessante. Nesse espaço nossa alma é que se dá a conhecer primeiro e isso a meu ver, é razão que minimiza em boa parte certos tipos de preconceitos.

- Como é de praxe. Qual o livro ou autor preferido? Filme preferido? E música preferida?

Puxando a memória me vêm os seguintes livros: Vida secas de Graciliano Ramos; Médico de homens e almas de Taylor Caldwell; Dom Casmurro de Machado de Assis; Sagarana de Guimarães Rosa; O grande mentecapto de Fernando Sabino; Budapeste de Chico Buarque de Holanda; ... são os que me vieram no momento.

Com relação aos filmes, posso citar: Um sonho de liberdade, do diretor Frank Darabont, onde os atores Tim Robbins e Morgan Freeman, dão um show de interpretação. Outro que marcou muito foi Papillon com os grandes Steve MacQueen e Dustin Hoffman; Outro ainda: A lista de Schindler de Steven Spiellberg.

Vou citar duas canções preferidas. Uma onde há apenas melodia, aliás um dos temas mais bonitos que já ouvi e que se chama Day dream. Faz parte do repertório do álbum Togethering, onde tocam juntos o guitarrista Kenny Burrell e o saxofonista Grover Washington Jr. A outra, uma gravação antológica do meu compositor preferido, Tom Jobim, onde ele canta com a saudosa “Pimentinha”, Elis Regina: Águas de março.

- Frederico, quais suas ambições e sonhos para o futuro?

Envolvi-me de forma muito intensa com a massoterapia. Trabalho nessa atividade já há cinco anos. Descobri que proporcionar bem-estar à outras pessoa através do toque é uma das melhores coisas que já fiz na vida. Por isso pretendo continuar me aprofundando nos estudos a respeito da Medicina Tradicional Chinesa, que é a linha com a qual trabalho, e ser um melhor profissional a cada dia. Também pretendo retomar o caminho da música que ficou um pouco de lado nos últimos anos e que é uma das maiores paixões da minha vida. Tenho sonhado também com a possível publicação de um livro de poesias, já que através dela tenho aprendido a me conhecer melhor. Enfim minha preocupação maior não é exatamente com o futuro, mas sim a de viver um presente com qualidade e fazendo por acrescentar, não só à minha, mas a vida de todos aqueles com quem convivo. Seja no real ou no virtual. Para finalizar quero deixar aqui, já que falei bastante sobre música, a gravação de uma composição minha. Rochedo fica como um presente meu a todos os amigos desse maravilhoso espaço que é o Luso-poemas. Foi um imenso prazer poder abraçar essa oportunidade.

4.10.09

A primeira pedra



Há tanto tempo ergo-me sedento,
A fim de ouvir, do amor, algum relato
Que esteja além do murmúrio do vento,
Que lhe traduza o conteúdo exato.
Já exauri há muito o pensamento,
E procurei nas águas do regato;
A pele pus à força dos ungüentos
E de Romeu revi todos os atos.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Perdi o senso, dei a mão sensível
À palmatória, quando a mocidade
Guardava a dor em pote invisível
E seduzia-me vã felicidade.
Eu vi a face dura, irascível
Quando desilusão vestida de verdade
Tornou o meu caminho intransponível
À margem d’oceano da saudade.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Depois de tudo caminhei sozinho
Levando minha nau por outros mares,
De outra mão senti outro carinho
Provei das frutas de outros pomares.
Mas de outra uva, precioso vinho,
Jamais provei em nenhum dos lugares
Por onde andei a procura de ninho
Nem teu sabor em diversos manjares.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Agora qu’envelheço a cada dia
Eu vou seguindo assim resignado
O verdadeiro amor é fantasia
Ao infinito vai o seu legado.
Essa lembrança às vezes minha guia
Me atira nu nas águas do passado
E eu me afogo assim em poesia
Por ter um dia tanto, tanto amado.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.



Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

28.9.09

Vida crua


Por trás de um sorriso escancarado
Há sempre um certo tanto de amargura.
Além do dia claro, a noite escura,
Calma espera a tecer o seu bordado.
Mas, nesta mesma noite, as estrelas
Salpicam o manto negro desfraldado
De modo que o olhar desconcertado
Se enche d’esperança e brilho ao vê-las.
Aqui no peito agora é noite alta.
De algo que nem sei, eu sinto falta;
A fé espanta o breu da vida crua.
E mesmo ao sol que inunda essa varanda,
Sentindo o cheiro bom que a brisa manda,
Eu lembro a noite... olhando a clara lua.


Frederico Salvo.
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Direitos efetivos sobre a obra.

25.9.09

Oculta chama


Uma mínima parte da alma é a que clama,
Mas maior é a que não percebo: oculta chama;
Tão imensa quanto o profundo oceano
Que se agita sob turbulenta tempestade,
Mas que guarda em si intensa paz e majestade,
Muito além do que se percebe por engano.
Calmas águas na profundeza abissal,
Tão distantes do casco aflito dessa nau
Que as vagas da superfície por ora
Arrebatam e castigam ferozmente;
Onde os peixes, feito anjos, simplesmente
Não dão conta se elas vêm ou vão embora.
Se pudéssemos seguir viagem submersos
E enxergássemos além de humanos versos,
Haveria mais que mera poesia.
Para além dessa procela fustigante,
Na profunda vastidão inebriante
Onde brilha a paz na luz da estrela guia.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

19.9.09

O ébrio


Na ponte, à base do pilar, vejo o negrume
Da chama que há pouco aqueceu a alma vazia
D'um corpo que ora adormece à luz do dia,
Jogado, invisível, estendido num tapume.
Alguns transeuntes passam e dizem: _ Ébrio!
Nem mesmo conhecem o porquê daquela sina.
Seguindo a razão social, a alma bovina,
Só julgam, tal qual semelhantes no sinédrio.
Ali, eis que jaz um restolho d'esperança
No seio de sã e notável temperança
De quem, num momento extremo, a dor se incumbe.
E o homem sensato então tomba sozinho
Ao gosto de intenso e injusto burburinho,
Assim como o bem, nessa vida, ao mal sucumbe.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

12.9.09

Nostalgia


Depois de tod'esses anos ainda sinto
Estranha força que em mim floresceu um dia.
Às vezes nego que exista, outras vezes minto;
Digo a mim mesmo que é menos que nostalgia.
Ronda minh'alma um não sei que jamais esqueço;
Ferve em caldeira sobre ígnea temperatura.
Faz do meu peito, a saudade, seu endereço;
Sou como fruto que lembra à semeadura.
Gira em vestido rosado seu corpo níveo,
No mesmo tom que colore formoso lábio...
A minha volta o mundo se aquieta.
Saio do sonho assustado ao cair da tarde,
E ela, a despeito da imagem que ainda arde,
Nem mesmo sabe que atrevo-me a ser poeta.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

5.9.09

Simplicidade


O estômago ronca ao meio-dia.
_ Hora da bóia! – Grita Maria. –
E a criançada desanda ladeira abaixo.
Comida simples, pessoas simples;
Nada de mais simples havia.
Tocava profundo a verdade:
Bem melhor simplicidade
Do que barriga vazia.

Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

29.8.09

Solilóquio


Por onde andarão as palavras certas
Que os versos enchiam em graça e contento?

Estão como palhas jogadas ao vento,
Perdidas no limbo das horas incertas.

Por onde andarão inebriantes musas
Que nuas dançavam em meus pensamentos?

Estão apartadas em claustro convento,
Nos ocos segundos das horas exclusas.

Se o tempo se impõe exato, irredutível;
Se os sonhos se perdem ou ficam pela estrada,
Eu deixo o silêncio completar-me lento?


Esqueça o futuro cego, imprevisível;
Afasta o passado coxo da jornada;
Entrega-te ao Todo e viva o momento.


Frederico Salvo
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Deireitos efetivos sobre a obra.

23.8.09

Frutos


Não interessa aos frutos se quem os têm irá explorar a outros por suas qualidades ou se irá saciar diretamente a fome de alguns sem pedir nada em troca. Cabe-lhes apenas serem frutos. Verdadeira culpa tem aquele ou esse se aduba mal intencionado.

Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

16.8.09

Tormento


Onde estarão as cores do mundo,
Que outrora enfeitaram meus dias
E celebraram comigo a alegria?
Onde estarão as bocas que cantavam libertas
Os cantos de imaturas letras,
Mas de incomparáveis força e sentido?
Meu Deus!
Onde estarão a pureza dos meus gestos
E a receptividade crédula aos gestos alheios?
Onde andará a inocência
Que procurava em tudo o verdadeiro sentido
E que se ressentia por não ser ainda mais cristalina?
Tudo deu lugar a este tormento
Onde cores são cores apenas;
Bocas cantam rotineiramente
Cantos de letras maduras e repetitivas;
Gestos são sempre comedidos, objetivos;
E a inocência vem apenas esporadicamente
Passear, tímida,
Sobre as frases dos meus versos.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

8.8.09

Sedimentos


Quando cessa o intenso movimento
Em que as águas turvas, ondulantes,
Dão adeus aos ventos fustigantes;
Vai ao fundo todo sedimento.
Onde não se via nada antes,
Vê-se agora, às mínimas do vento,
Na serena calma do momento,
Sob águas claras, deslumbrantes,
O que outrora, extremamente vago,
Na tormenta célere do lago,
Parecia mesmo inexistente.
Aquieta-te meu pensamento,
P’ra que eu possa ver sem sofrimento
O que vai em mim profundamente.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

foto: www.mmcbrasil.com.br/ilustra/100408_agua5.jpg

5.8.09

Hiato



Acomete-me falar agora desse hiato que me entristece a alma. Essa pausa a interromper a terna melodia que me encantava. Não é da minha vontade imediata que seja assim. Vem de mais profundo remetente, das subterrâneas paragens onde os mais contundentes desejos gritam por liberdade. Agora que já não é dia ensolarado e o frio da noite açoita nossos corpos, é que me sinto com as palavras a saltar da boca. E todas elas vêm emolduradas pelos anos de convívio. Por mim já teria desfeito as malas e desistido de partir. Por minha vontade já haveria boa música novamente a entreter o espírito, mas há algo que pesa demasiadamente...
Essa constatação incômoda de não poder realizar-te o sonho.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

1.8.09

Sob um facho de luz


Na platéia às escuras, sozinho,
Em silêncio, ao abrir das cortinas;
Num cenário de horas vespertinas,
Vejo um vulto surgir num caminho.
Feito um anjo em corpo feminino,
Uma deusa ao som do bolero.
(num suspiro contido eu espero,
deslumbrado como se menino).
Ouço a música crescer em dinâmica
E os tambores febris da sinfônica
A rufarem magia profusa.
Bem no ápice da cena eis que salta
Claro facho de luz da ribalta
E ilumina o sorriso da musa.


(palmas ecoando no teatro vazio).


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

25.7.09

Revelação


As palavras vagam solitárias, desconexas...
Num oceano imenso, sem destino e sem compasso;
Vêm sem direção, qual folhas secas no espaço
Que o vento sopra, que o vazio faz reflexas.
O poeta sofre por não ter nas mãos o fio
Que conduziria ao desnovelo da meada.
A inspiração, sempre presente, não diz nada...
Muda, quieta, fria, solo seco no estio.
Mas uma semente que outrora foi jogada
Por mão displicente, por escolha ignorada
Fez-se broto novo nas ranhuras do incerto.
E pra quem não tinha nem um pingo de ventura
Revelou-se a dádiva em feliz semeadura
Que mesmo apartada, fez-se fruta no deserto.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

23.7.09

Cálice fecundo


Sobe o sol e rompe em virgem alvorada,
Sobre o azul turquesa sua luz emana.
Súbito clarão, chama soberana,
Sóbria mansidão ao fim da madrugada.
Sob excelso manto sinto-me menino,
Sábia luz que faz menor a quem exclama,
Sabe que enquanto o horizonte inflama
Salta em quem assiste um pouco de divino.
Sorvo da imagem (cálice fecundo),
Sinto a inspiração invadindo meu mundo,
Seiva que escreve minha poesia.
Salve, salve belo e grato nascimento,
Santa claridade mãe desse rebento
Solto na expressão da luz de um novo dia.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

20.7.09

Confluência (Uma homenagem à amizade)


E que caminho outro haveria de ser meu
Além desse aqui em que um dia me encontraste?
Que outro destino haveria de ser seu
Senão o que a mim juntamente estiveste?
Seria ao acaso essa espontânea confluência
Que nossos riachos por hora experimentam
Tão somente fruto de vã coincidência,
Junção de quimeras qu’essas águas levavam?
Por que abraçaste meu liame de defeitos
E nunca julgaste meus gestos imperfeitos
Quais ventos num mar de constante tempestade?
Pergunto a mim mesmo qual a razão desse apreço.
Será mesmo meu Deus, que eu de fato mereço
Experimentar tão profunda e sincera amizade?


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

18.7.09

Como pena aos sabores do vento



Meus poemas são cartas que vão
Como pena aos sabores do vento;
N’outras terras outras almas são,
N’outros olhos, o seu complemento.
Nas nuances de outras culturas,
No crisol de emoções estrangeiras,
No caótico ser das misturas,
Espontâneas missivas maneiras.
Neles vão a intenção mais sincera,
Seja em fato real ou quimera
Do que trago em mim por enquanto.
Eles são a expressão transparente
Do que a alma me traz no presente
E os versos me dão por encanto.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

11.7.09

Remoinho


Apenas murmurou o vento e eu saí atabalhoadamente a procurar os teus passos. Eles que eram tão seguros aqui na terra que me circunda. Agora somente esse vento frio e as palhas voando em remoinho. Não me coube mais as velhas botas e eu as tirei às margens do lago, no mesmo lago onde lançavamos as pedras lisas que saltitantes cortavam o leito d’agua. Eram cristalinos os nossos sorrisos e as ondas provocadas pelas pedras nos vinham ritmadas a trazer os arroubos de sonhos.
Praticamente não há mais nada. Nem os canteiros de margaridinhas existe mais. Com elas se foram a lembranças de carícias plenas e o aroma doce das gargalhadas rasgando o silêncio das manhãs nubladas. Não há também o soar dos sinos que da capela vinham encher o quarto ainda recendendo o cheiro das nossas entregas. Se visses agora o cajueiro como parece triste. Não há frutos. As folhas estão por um fio nas hastes frágeis. E esse vento agora a soprar constante, começa a derrubá-las, uma a uma, ao romper do meu outono.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

4.7.09

Compondo um soneto



Hoje pela manhã, quando abri os olhos, veio-me clara na cabeça a frase com que comecei o seu soneto: “Coloca sobre mim o teu olhar profundo”. E pude realmente senti-lo cintilante em meu quarto, na penumbra que permeava tudo. Sua silhueta bem definida e um começo de sorriso nos lábios envolviam em tranqüilidade o meu princípio de manhã.
Depois, quando sua mão tocou suavemente meu rosto, veio a segunda frase: “E põe em minha face tua mão serena”. Comecei a repetí-las lentamente, observando a métrica e onde estavam as sílabas poéticas de apoio. Fui dando ritmo a elas e vi que mereciam uma resposta para fechar a primeira quadra.
Veio-me a terceira frase: “Pois só dessa forma tem sentido meu mundo”.
Podia mesmo senti-la ao meu lado, sua mão acariciando meus cabelos. Olhei para você e recebi um lindo sorriso como sinal de aprovação.
“E a vida, só por teu sorriso, vale a pena”. A quarta frase veio como resposta ao seu ato.
Se verdadeiramente o amor tem sido um sentimento libertador e tem vindo, através dos tempos, como a busca maior de todo ser vivente, pensei ser conveniente colocar na próxima quadra, frases que falassem desse sentimento. As duas primeiras da segunda quadra vieram juntas: “Se a pena que te escreve cálido soneto” e em seguida: “Expressa todo sentimento verdadeiro”.
A penumbra do quarto começava a se desfazer, dando lugar aos primeiros raios de sol da manhã. Levantei-me apressado e entrei para o banho. Deixei-a em minha cama, adormecida, como a última imagem daquele sonho.
No chuveiro, enquanto a espuma escorria pelo meu corpo, comecei a pensar na velocidade do tempo que, inexoravelmente, nos arrasta a todos e me veio a clara certeza de que precisava fazer esse amor estar em minha vida. Precisava, sinceramente, conviver com ele.
“Não é justo o tempo tornar-me obsoleto”.
Resolvi que escreveria mesmo o soneto e que falaria de você a todos que conviviam comigo.
“Por isso grito agora, alto, ao mundo inteiro”. As frases continuavam pausadas e com essa última, acabei concluindo a segunda quadra. Faltavam agora os tercetos e foi enxugando o corpo que tive a idéia de neles me declarar a você.
Bom. As declarações, vez ou outra, costumam soar de forma piegas, carregadas de sentimentalismos fugazes, mas não deixei que isso desmanchasse as minhas idéias, que continuavam vindo como num turbilhão.
“Amo-te desenfreada e intensamente”
E ainda...
“Amo-te de uma forma linda e inesperada”
E fechando o primeiro terceto:
“Amo-te assim, de inexplicável maneira”
O último terceto me veio inteiro. Corri, me assentei de frente ao computador, coloquei o seu endereço no e-mail e digitei o seu soneto, que horas depois você leria com surpresa:

Paixão Imensurada

Coloca sobre mim o teu olhar profundo
E põe em minha face tua mão serena.
Pois só dessa forma tem sentido o meu mundo
E a vida, só por teu sorriso, vale a pena.

Se a pena que te escreve cálido soneto,
Expressa todo sentimento verdadeiro;
Não é justo, o tempo, tornar-me obsoleto,
Por isso grito agora, alto, ao mundo inteiro:

Amo-te desenfreada e intensamente,
Amo-te de uma forma linda e inesperada
Amo-te assim, de inexplicável maneira.

Gostaria de tê-la e amá-la eternamente,
Sob o signo de uma paixão imensurada;
E trazer comigo o amor; pela vida inteira.



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Beijos de quem muito te adora!





Frederico Salvo.


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29.6.09

Quem me dera


Quem me dera, meu Deus, quem me dera
Que isso tudo pudesse apenas
Ter a cor das lembranças pequenas,
Gota leve ao vapor das quimeras.
Quem me dera que o peito abrigasse
O frescor de toda primavera,
E o sabor que a vida tempera
Posto ao meu paladar, agradasse.
Quem me dera volver num segundo
Teu olhar que um dia meu mundo
Envolveu em tua atmosfera.
Bastaria um átimo que fosse
Sob a luz do sorriso mais doce
Para o meu despertar. Quem me dera.


Frederico Salvo
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23.6.09

Incêndio


A lânguida luz do sol na janela
Convida cândida à preguiça.
Num céu de manhã domingueira,
No farfalhar do jornal na cama,
Minha libido que sua presença atiça
Acende em mim sua tórrida chama.

E faz-se o incêndio do meu amor por ela,
Que sem pressa e em silêncio a nós dois incinera
Feito lenha seca na fogueira.
E depois, ao vento, leves como cinza,
Sob a luz de um sol de primavera,
Adormecemos nus em minha cama.

Despertando então, quando a tardinha chama,
Sob o apelo do apetite,
Notando que uma brasa ainda insiste,
Novamente tudo se inflama.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

20.6.09

Inegável dependência


Desgasta-nos seguir assim em linha reta
Ao ritmo desse compasso acelerado.
Por que querer fazer do tempo uma seta
Se o tempo caminhando vai espiralado?
Respiro a brisa que me chega matutina
E traz gratuita, embriagada a energia
Que entra em mim tão benfazeja e genuína
E põe-se a circular ligeira em harmonia
Com tudo que na natureza bela pulsa,
Que segue ao todo entrelaçada e não avulsa
E torna iguais o porco-espinho e a rosa flor.
A nós, que temos o pulsar da consciência,
Cabe aceitarmos a inegável dependência
Da lei que rege o universo: A lei do amor.


Frederico Salvo
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16.6.09

Bala perdida



Uma opinião direta
É decerto de muita valia;
Clara luz na madrugada.

Mas quando ardilosa e secreta,
Cheira mais a covardia
A qualquer um endereçada.

É como um golpe no escuro;

Bala perdida e mais nada.


Frederico Salvo
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11.6.09

Somente sejas


Não te preocupes com o que serás para mim.
Da tua forma e com teu jeito de ser, apenas sejas.
Não te preocupes em adjetivar seja lá o que fores,
Mas larga de ti mesmo e sê inteira.
Não sejas apenas a parte, o gesto contido;
Sê o todo, porque o todo é tua melhor parte.
Quando te lembrares de mim, lembra com liberdade;
Não te cobro nada.
Solta tuas amarras e exorciza teus medos.
Seja lá o que fores; Peço-te um favor:
Somente sejas.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

9.6.09

Etéreo



Caminha a meu despeito esse desejo.
Viaja pela rota inesperada.
Eu penso enxergar, mas nada vejo,
Eu creio tudo ser, mas não sou nada.
A força que me move muita vez
É a planta que desejo ver ceifada;
Lamento que me abóia feito rês
E põe-me a caminhar por essa estrada.
O peso em nosso dorso é o peso certo;
A cota que nos cabe é a que é decerto
Aquela que nos forja plenamente.
Sou pedra sutilmente lapidada,
Sou água sabiamente renovada
Nas tramas dessa força inconsciente.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

6.6.09

Por teu sonho


Vê quantos sonhos esquecidos, rotos,
Subjugados ao desdém do mundo;
Ouça silente o lamentar profundo
N’alma fria dos que vivem mortos.
Sente esse cheiro inebriar a casa
Aonde mora e dorme a esperança;
Foge depressa! Salva a criança...
Beija-lhe a face, ama, dá-lhe asa
P’ra que liberta seja e alce voo,
E prove um dia o fruto que viceja
Lá na mais alta haste desse galho.
Qu’ela não ouça o canto que hoje entoo
Qu’essa quimera, Deus, bendita seja
E o teu querer, amor, não seja falho.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

4.6.09

Assim somos


Somos meio céu e meio terra,
Ode entre o espírito e a matéria.
Somos meio paz e meio guerra,
Chama meio corpórea, meio etérea.
Elo entre o visível e o invisível,
Ponte entre a dúvida e a certeza;
Pedra entre o real e o indescritível,
Grito entre o brutal e a sutileza.
Cais entre o vislumbre e a cegueira,
Grito entre o prazer e o desespero,
Farpa entre o caótico e o bucólico;
Vão que vai do chão a cumeeira,
Ás entre o sensato e o destempero,
Sonho entre o tédio e o insólito.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

1.6.09

Ouvindo o som do silêncio


Aqui onde posso ouvir o som do silêncio
E onde tudo parece voltar a normalidade;
Aqui onde o verde acalma os sentidos
E o ar da montanha, agradavelmente, meus pulmões invade,
É que passo a fazer sentido.
Como um pé de fruta, um piar de passarinho,
Um coaxar de sapo, um sussurrar de vento,
Como qualquer som natural que se escuta,
As maritacas em burburinho,
O farfalhar gostoso do mato,
Como tudo, enfim, de que me faço complemento.
Irmano-me aqui com a natureza, agora;
Agrego-me a ela como uma rã,
Uma ameixeira, um preá, um hibisco;
Estou como a alma de São Francisco,
Que dela sempre se sentia irmã.
Aqui onde posso ouvir o som do silêncio
Pergunto aos meus botões:
Perdemos o bonde da essência?
Pra que tanta coisa vã?


Frederico Salvo
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