4.10.09

A primeira pedra



Há tanto tempo ergo-me sedento,
A fim de ouvir, do amor, algum relato
Que esteja além do murmúrio do vento,
Que lhe traduza o conteúdo exato.
Já exauri há muito o pensamento,
E procurei nas águas do regato;
A pele pus à força dos ungüentos
E de Romeu revi todos os atos.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Perdi o senso, dei a mão sensível
À palmatória, quando a mocidade
Guardava a dor em pote invisível
E seduzia-me vã felicidade.
Eu vi a face dura, irascível
Quando desilusão vestida de verdade
Tornou o meu caminho intransponível
À margem d’oceano da saudade.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Depois de tudo caminhei sozinho
Levando minha nau por outros mares,
De outra mão senti outro carinho
Provei das frutas de outros pomares.
Mas de outra uva, precioso vinho,
Jamais provei em nenhum dos lugares
Por onde andei a procura de ninho
Nem teu sabor em diversos manjares.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.

*

Agora qu’envelheço a cada dia
Eu vou seguindo assim resignado
O verdadeiro amor é fantasia
Ao infinito vai o seu legado.
Essa lembrança às vezes minha guia
Me atira nu nas águas do passado
E eu me afogo assim em poesia
Por ter um dia tanto, tanto amado.

Quando atiraste a primeira pedra,
Feriu-me a alma um coração ingrato.



Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

Um comentário:

Casa RaSena disse...

olá, Frederico.
as pedras - tanto dos amores, quanto dos amigos - ferem não apenas o coração, mas, a alma - porém, é preciso seguir e, deixá-las esquecidas nos caminhos.
abraços....