10.7.21

Ode às avessas

 A desconectividade que sinto

À sombra desses flagelos

Que rondam os nossos dias,

Traz errantes melodias,

Arestas de pesadelos

Regados a absinto.


E tudo então que havia

Ressoa tão esquisito

Como não houvesse nada.

Às portas da alvorada,

Ouve-se apenas um grito

Coimo anúncio de outro dia.


Por hora esse mormaço

Da realidade do homem

Enche o ar de fumaça.

E como encontrar a graça 

Quando os anseios dormem

Nas lembranças de um abraço?


A esperança se atropela

Pelas estradas vazias

das viagens malogradas.

E todas as coisas sagradas,

Tudo o que julgam utopia,

Na cálida tarde a luz reverbera.


Sobra em mim essa ode,

Esse caco de agonia,

Num avesso de quem me dera.


Frederico Salvo

31.01.21



Lume

Transformei-me em algo, assim, meio cortante...

Um punhal, um estilete, uma navalha.

Fui forjado no esmerilho constante,

pela mó inflexível da batalha.


Nessas curvas sinuosas cada passo

Foi um ato decisivo no caminho.

Cada nota dada fora do compasso,

Cada erro, cada gesto em desalinho


Deram fio expressivo a este gume

Que hoje fere a mim mesmo amiúde

Nas estradas deste mundo, vida afora.


E da lâmina que sou só resta agora,

Ser bem mais amor e, muito menos rude,

Esquecer da dor e ser somente o lume.


Frederico Salvo