26.7.10

Rochedo (Canção)




Eu não sei ser diferente
Só sou o que sou.
Não adianta você me querer
Como você sonhou.
É duro saber que um sonho
Está muito além da realidade.
É duro saber que a verdade
Nem sempre nos convém.

Não me condene
Por eu não ser como você,
Pois eu teria defeitos
Que você nem vê.
Não deixe a porta aberta
Quando você sair.
Saudade é coisa incerta,
Pode querer vir.

Não quero estar à deriva
Quando a saudade chegar.
Quero ser um rochedo
Plantado à beira-mar.
Luz que brilha sozinha
Em meio à escuridão.

...Deixa passar o verão.



Frederico Salvo. (Letra e música)


N U O N S


NUONS: Frederico Salvo: violão aço e voz. Fernando Magrão: violão nylon e vocais. Aylton Azevedo: violão nylon e vocais. Paulo Laranja: contrabaixo e vocais. Tiago Peixoto: Bateria (part. especial).
Gravação: Lucas estúdio.

24.7.10

O último suspiro


É somente meu o que eu sinto.
A ninguém mais cabe o que me passa.
Essa chama ardente que eu pressinto,
Não tens culpa tu se me perpassa.
É somente meu esse delírio,
Esse devaneio que não finda.
É da minha alçada esse martírio,
Esse amor que insiste em mim ainda.
É somente um último suspiro
De quem perseguiu o que não via,
De quem fez do nada sua caça.
É somente um sonho que retiro
Desse meu baú de fantasia
E que à realidade dou de graça.

Frederico Salvo



música incidental: Peer Gynt Suites Nos 1 & 2 for orchestra - Edvard Grieg

22.7.10

Quando adormecem as personagens


Aquela primeira imagem tosca
Que viste ao desabrochar da primeira lua;
Aquele sorriso de meia boca
Que deixaste escapar quando viste,
Já não são assim tão distantes;
Bailam no mesmo quadrado macio,
Na mesma penumbra cálida do quarto.
Tudo porque um gesto lânguido e calculado
Chegou até aquele olhar desatento,
Despertando algo que há muito adormecera.
E esse gosto acre que agora tens na boca
Porque bebeste comigo durante toda à noite,
Nos trouxe até aqui.
E já não te perturba mais as nossas diferenças,
Nem tens mais aquele ar superior que trazes sempre contigo.
Deixaste pendurado no closet, sua roupa
E a máscara que usas freqüentemente.
Nua tu te revelas em meus braços;
Tens no corpo e na alma
Apenas tua simplicidade de fêmea.





Frederico Salvo

20.7.10

Renascença


Esse jeito teu, esse teu corpo
A luzir em movimento raro
Faz perder o ar. Tão absorto
Trago o olhar ardente a por reparo

Nos teus pés e mãos, nesse teu colo,
Nessa boca dona d’um sorriso
A zombar de mim porque me coro
Só por ver teu todo tão preciso.

Contagia a tudo essa presença
Tão bem-vinda quanto a renascença
A trazer-me a luz que não me ilude.

Faz eterno parecer o tempo,
Traz ao peito meu, contentamento;
Quero em ti o amor que nunca pude.


Frederico Salvo.

18.7.10

Infância


Agenor comera um dia,
Na casa de sua tia,
O bolinho de feijão mais gostoso da vida.
Mas um dia entristecera
Pois a tia falecera
E nunca mais ele, então, teve a coisa preferida.

Desde o dia do velório
Em tudo que era empório,
Agenor procurava.
Embrenhava-se nas feiras,
Visitava salgadeiras,
Mas coisa igual não achava.

E foi assim pelos anos,
Provando muitos enganos,
Procurando com labor.
Perguntava-se sozinho:
Será que haverá bolinho
Que tenha aquele sabor?

E não achava respostas;
Esperanças já remotas
Iam-lhe pela alma.
Mas era um homem tenaz,
Sabia-se mesmo capaz;
Continuava com calma.

Quando em alta idade ia
Vendo uma fotografia
Dos tempos dele menino;
Achegou-se da janela
De sua casa amarela
O Zé Cocota, sorrindo.

_ Vai bolinho Seu Agenor?
Bradou-lhe o vendedor,
Vindo de longa distância;
Justamente naquele dia
Descobriu que o bolinho da tia
Tinha era gosto de infância.


Frederico Salvo

14.7.10

Murmúrio


Mais uma vez uma pedra no caminho,
Como dissera o poeta.
Mais uma vez esse choro travado
E ninguém para adivinhar-lhe o gosto.
Só eu.
Mais uma vez a sisuda face
A olhar-me silenciosa e calma,
Uma lâmina a transpassar minha vida.
E por mais que me pareça esquecido,
Aí está novamente o passado
A roer-me o queijo.
Mais uma vez a impressão
De que tudo não faz o menor sentido
E que desenvolvo-me
De acordo com as pedras que vão surgindo.
Sou água submetida aos obstáculos.
Mas hoje quero que esqueças de tudo isso.
A ti quero dar apenas,
Nessa noite,
O murmúrio feliz do meu regato.


Frederico Salvo


11.7.10

Depois de tudo


Depois de tudo veio o silêncio.
Um obscuro véu. Um ocaso.
E de repente fez-se distância
E do caminho certo, o descaso.
Depois de tudo foi-se a constância
E a alegria sem deixar recado.
Partiram juntas, em conivência,
Deixando tudo mais no passado.
Depois de tudo, como se fosse
O gosto amargo em lugar do doce,
A lucidez partiu apressada.
Depois de tudo, como se houvesse
Uma estrada que a tristeza tece
E que ao findar de si vai dar em nada.


Frederico Salvo

8.7.10

Ceticismo


Por muito ver a corrupção sobrepujar a ética,
O egoísmo solapar a dádiva;
Foi que criei essa maneira cética
De encarar essa burrice prática.


Frederico Salvo.

5.7.10

Tempo


Tudo nessa vida passa,
Só o tempo não.
O tempo ultrapassa.


Frederico Salvo

3.7.10

Alma gêmea


Da diva, dádiva da vida,
Espero muito mais que tudo;
Prossigo buscando, contudo,
Não me ponho à mercê do nada.
Da musa que esse verso acusa,
Espero muito mais que um sonho;
Por isso um soneto componho
No afã que a verdade conduza
À síntese do amor, à essência,
Ao lume de toda existência
Que habita num corpo de fêmea.
E nessa quimera esmoreço,
Num grato descanso adormeço
No colo da minh’alma gêmea.


Frederico Salvo

1.7.10

Sobre as águas


Não havia lugar para apoio. Nada.
Nenhuma beirada de pedra,
Nenhum objeto flutuante
Onde pudesse deitar o corpo.
Somente aquela imensidão de mar...
Um mar de ira, egoísmo e falsidade.
Onde uma luta febril e constante se dava,
Onde braçadas levavam a lugar algum.
A única e improvável solução possível:
Andar sobre as águas.
...passos a princípio vacilantes,
depois mais seguros...
E, por fim, firmes e imperturbáveis.
Sobre o mar revolto abriu-se um caminho...
Uma vereda de amor ágape.


Frederico Salvo