28.11.11

Não há que se dizer mais nada (áudio)

Olá, amigos leitores!
Para encerrar o mês de novembro, trago novamente o poema "Não há que se dizer mais nada", publicado originalmente em março de 2011, só que nessa oportunidade acompanhado de áudio. Espero que agrade e que possa acrescentar de alguma forma. Obrigado e um grande abraço a todos.




O fogo que há em ti
É o mesmo que me queima.
Em mim pode agitar a alma
E atormentar os pensamentos
Em ti pode ser apenas
Uma branda chama apática.
Pode ser que em ti
Não consiga aquecer a melancolia
E nem iluminar-te os olhos,
E em mim seja calor eufórico
A brasa da minha língua,
Mas será sempre o mesmo fogo.
O mesmo que na natureza
Vai adubar a terra
Onde então a semente
Estabelecerá sua morada.

A terra que há em ti
É também a mesma que me firma.
Em mim pode ser ressequida
E devorar qualquer umidade.
Em ti pode ser fecunda
Casa de todo verde.
Pode ser que em ti
Seja estrada que encaminhe
E te encha de viço os lábios,
E em mim seja apenas deserto
A sede na minha boca,
Mas será sempre a mesma terra.
A mesma que na natureza
Vai abrigar a pedra
Onde a água cristalina
Brotará como encantada.

A pedra que há em ti
É a mesma em que me assento.
Em mim pode ser início
A base da fortaleza.
Em ti pode ser estorvo,
Lápide indesejada.
Pode ser que em ti
Seja peso sobre os ombros
Ou lhe feche as narinas,
E em mim seja solo seguro
Onde não se conhece a tristeza.
Mas será sempre a mesma pedra.
A mesma que na natureza
No âmago da sua dureza
É berço de toda água.

A água que há em ti
É a mesma que me sacia.
Em mim pode ser escassa
A fonte de todo medo.
Em ti pode ser que farte
Dádiva pura e sagrada.
Pode ser que em ti
Seja rio caudaloso
Ou mar de completa abundância,
E em mim seja ínfima gota
Inexpressiva em meu deserto.
Mas será sempre a mesma água.
A mesma que na natureza
Vai hidratar a semente
Da árvore tão esperada.

A árvore que há em mim
É a mesma que em ti aflora.
Em mim pode ser frondosa
Sombra ao meio-dia.
Em ti pode ser esquálida,
Frágil, mero caniço.
Pode ser que em ti
Seja baixa e retorcida
Ou cacto de pura ira
E em mim seja forte e frutífera
Esteio da minha rede.
Mas será sempre a mesma árvore.
A mesma que na natureza
É mais suscetível ao fogo
Quanto mais é ressecada.

E agora, se me permite,
Não há que se dizer mais nada.
Basta só entender que a vida,
Em nuances repartida,
Nunca foi fragmentada.



Frederico Salvo

25.11.11

Meu último poema


Acaso leias meu último poema,
Saiba que nele estará implícita
A totalidade dos teus olhos
E ainda, mais além,
Os olhos dos teus amores
E da tua alma.

Acaso fale da natureza,
Haverá nele o mais indizível verde
E o ápice homeostático
De todos os elementos que a compõe.

E a despeito de toda a beleza,
Esse verde será também
O sumo de toda mágoa,
De toda frustração indesejada
E de qualquer ira adormecida,
Temperadas pelo afã de vê-las superadas.

Acaso leias meu último poema
E ele te pegue desprotegido, despedaçado,
Saiba que nele, independente do que transmita,
Haverá um abraço oculto,
Um beijo elaborado
Para servir a teu espírito dolente.

Acaso fale de solidão,
Haverá nele, concomitantemente,
Um luminoso branco de paz,
Uma bandeira que cubra a todos os povos
E que desfaça de vez toda a tristeza.

Acaso fale de insegurança e medo,
E seja negro e escuro
Como a mais negra madrugada,
Haverá nele, sempre,
O brilho essencial
De uma pequena estrela perdida.

Acaso leias meu último poema
E ele não possua versos que te agradem,
Saiba que em mim houve
A mais intensa entrega
E a coragem desmedida
De quem salta no vazio.

E sendo assim,
Acaso não tenhas lido
Nenhum de meus poemas
E não venha a fazê-lo posteriormente,
Terei sido para ti, bem ou mal,
Nesses versos que leste agora,
A intenção sincera e aguerrida
De que haja sempre o melhor em ti...
...pois acabaste de ler,
talvez por obra do acaso,
o meu derradeiro e último poema.


Frederico Salvo

22.11.11

Via de regra

Primeiro...
Nasce o rebento.
Um sopro original.
A esperança...
Num segundo momento.

(Após o corte umbilical).

Primeiro...
Punge a infância,
Abrangente, colossal.
A esperança...
Em outra circunstância.

(Quando se cai no real).

Consoante...
Vem a entrega,
Num delírio passional,
De mãos dadas co’a esperança...
Que, (via de regra),
É no amor, atemporal.


Frederico Salvo

20.11.11

Desilusão (poema musicado)


Aqui os papéis se invertem. O querido amigo e poeta José Silveira leu meu poema e soprou essa melodia. Eu musiquei. Abraço a todos.

Crua...
Carne crua
Que me dói assim dilacerada
Pelo triturar, pelo desfio
Da desilusão...
Faca amolada.

Nua...
Alma nua
Na moenda posta em desmesura
Mesmo em bagaço, deixa um rio,
Uma corredeira
De doçura.

Rua...
Vasta rua.
Onde vai levar essa estrada?
Esse caminhar: um desvario.
Essa ilusão: um imenso nada.

Nada não.
Um imenso nada.
Vão.
Isso é desilusão.
Um imenso nada.
Vão.
Isso é desilusão.
Um imenso nada.
Vão.



Frederico Salvo

15.11.11

Confluência (Uma homenagem à amizade)



Olá, amigos leitores!!
Encontrei em meus arquivos de áudio mais uma das declamações feitas pelo meu amigo e radialista Odair Silveira, já falecido. Aqui ele declama essa homenagem à amizade, postada originalmente em julho de 2009. Espero que gostem. Grande abraço.





E que caminho outro haveria de ser meu
Além desse aqui em que um dia me encontraste?
Que outro destino haveria de ser seu
Senão o que a mim juntamente estiveste?

Seria ao acaso essa espontânea confluência
Que nossos riachos por hora experimentam
Tão somente fruto de vã coincidência,
Junção de quimeras qu’essas águas levavam?

Por que abraçaste meu liame de defeitos
E nunca julgaste meus gestos imperfeitos
Quais ventos num mar de constante tempestade?

Pergunto a mim mesmo qual a razão desse apreço.
Será mesmo meu Deus, que eu de fato mereço
Experimentar tão profunda e sincera amizade?


Frederico Salvo
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13.11.11

Democracia


Não és mais do que ninguém,
Nem serás.
Visto que somos todos humanos.
Não vingarás.
Passarás, se extinguindo aos poucos
Com o desenrolar dos anos.
O que te difere do mais simples dos homens?
Talvez teu saber diferenciado,
Teu papel social escolhido.
Talvez, num lance de sorte perdido,
Teu nascer em berço privilegiado.
Nossas diferenças são desse mundo,
Nossos conflitos são passageiros
Nesse contexto pragmático.
E se diferes de alguém agora,
Serás um igual quando for tua hora;
Mútuo findar democrático.


Frederico Salvo.

6.11.11

Improviso


Esse mundo descompassado
há tanto perdeu a poesia.
Eu, fruto amadurecido à força
enrolado num jornal do passado,
teimo em me vestir
com as roupas desse sonho inacessível,
contemplando a réstia
na escuridão do quarto.
Essa criança,
que um dia viu-se dentro delas
antes mesmo do tempo puí-las
e as tornarem rotas,
tem nos ouvidos
o compasso simples dos primeiros passos,
mas agora improvisa
num outro andamento jazzístico composto.
Não que seja de todo ruim,
pois a pedra bruta acaba
por acentuar o brilho quando lapidada,
mas, ainda assim,
guarda em si a nostalgia de ser desejada
apenas como pedra bruta.


Frederico Salvo