22.4.12

Pós volúpia




Ah, esse silêncio incômodo ainda.
Corta qual navalha, rompe, dilacera.
Ah, essa imensa dor que não finda.
Triste desconsolo, estúpida quimera.

Ah, esse semblante exangue que me encara;
A dura e sisuda efígie triunfante.
Ah, essa ferida aberta que não sara.
Intrépido ardor, febril e lancinante

Que sempre se impõe, imenso obelisco
A arranhar meu céu. Infame primavera
Que flora o jardim, mas nunca meu Saara.

Queria adormecer à sombra de um aprisco;
Livre da injúria rude dessa fera,
Longe do relógio audaz que nunca pára.



 Frederico Salvo

19.4.12

Jogo de luzir


O poeta quis e fez-se o verso.
Nasceu, à pena grave, poesia;
Da bruma do silêncio que jazia,
Ouviu-se o murmúrio d’universo.

Estrela salpicada com a lua,
Palavras como rastro de cometa;
A prata fina n’água da rua,
Desenho escorrido na sarjeta.

Pena de poeta sempre pode
Tocar as franjas do mundo todo,
Num jogo de luzir a fantasia.

A força de um verso que explode.
A farsa, a ira, o bem-querer, o medo;
Com o som e os matizes que queria.


Frederico Salvo.

16.4.12

Talvez assim Ele dissesse.


Brado ao vento inutilmente
Como forte hemorragia.
Perdida e vaga sinfonia
Que se esvai qual sangue quente.

Falo de amor, mas não ouvis;
Mostro-vos claro, mas não vedes.
Emaranha-vos as redes
Do mundo que segue infeliz.

Dei-me em brutal sacrifício,
Entregue, imolei-me por vós;
Mas tudo se perde aos poucos.

Esquecestes, como indício
De negligência imensa e atroz,
De amar-vos uns aos outros.


Frederico Salvo.

14.4.12

Sibilos


a) O tempo voa quando se está à toa.

b) O tempo se arrasta quando a preguiça é vasta.

c) O tempo dorme quando a espera é enorme.

d) Alegria? Devo extraí-la de toda pedra.




Frederico Salvo

6.4.12

"Balada de mim"




Doravante sigo assim:
Beijando essa boca
De colorido carmim.
Comendo a fruta,
Sorvendo o sumo,
Saindo do prumo
Com limão e gim.
Não meço as palavras,
Perdi o juízo,
E se for preciso
Digo até que sim
Ao incoerente
Que se faz prudente
E agora inclemente
Se apossa de mim.
Deixei de remar
Contrário à correnteza,
Minha natureza
Cansou-se por fim
De querer conter
O sangue desatado,
De querer, a nado,
Chegar a Pequim.
(Talvez seja viável
Se eu, futuramente,
Falar mandarim).
Por hora me traduzo
Nessa “balada de mim”.
Passar bem!
(Decerto cheguei ao fim).


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.