22.2.11

Preferências (poema musicado)


Extraído do poema de mesmo nome de autoria de José Silveira.
Música: Frederico Salvo
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por causa de um osso
o homem vira cão.
se ambos
sem corda e caçamba
caírem num poço;
talvez roam o osso,
mas, por fim, soçobrarão.
enfim serão em duo
alvo de notícia póstuma
em letras miúdas,
na última edição
tão sem importância,
num canto qualquer
de qualquer folhetim.
É assim.


Extraído do poema de mesmo nome de autoria de José Silveira.
Música: Frederico Salvo

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20.2.11

Caricatura


Hoje acordei com essa tristeza imperatriz;
Tentando desvencilhar-me dos meus defeitos,
Das minhas mazelas.
Tinha o cenho franzido, um apertar no peito;
Um desinteresse pelas coisas e ao mesmo tempo,
Contraditório que sou, uma grande necessidade delas.
Hoje acordei desconhecendo a mim mesmo,
Sem saber onde se escondera meu humor fácil,
Minhas gotas de euforia.
Olhei-me no espelho e confesso ter sido difícil
Ver refletido em meus olhos aquele brilho frio
Que até a bem pouco tempo desconhecia.
Hoje acordei com a barba por fazer
E os cabelos desgrenhados,
Uma caricatura do eu que sai às ruas todos os dias,
Que enfrenta lá fora a vida dura,
Que sorri aos colegas no trabalho;
Eles que nem sabem da existência desse outro,
Que hoje pela manhã se viu refletido;
Sob a mira de duas íris frias.


Frederico Salvo

17.2.11

Fato consumado


Sem ti eu sinto que o mundo tropeça
E vou seguindo feito embriagado.
Coxo é meu samba, mais triste meu fado,
E vão dar em tango febril. Já não cessa

N’oco do peito esse grito abafado
Que guarda em si uma dor que tem pressa,
Que desencanta o mundo e perpassa
O fundo d’agulha que tece o bordado.

Meu rio se arrasta, meu lago pranteia,
Tudo que anima meu ser perde a graça,
Nem sombra sou do que fui no passado.

Na fina prata à luz da lua cheia
Só uma verdade enche minha taça:
Sem ti a saudade é fato consumado.



Frederico Salvo

12.2.11

Longe


Tive um corpo.
Tive um corpo;
Tive um corpo...
Mas meu pensamento
Continuou ancorado em ti.
Vi-me morto
Ao sentir jorrar meu rio
Num oceano rubro,
Longe das águas verde-esmeralda
Do teu mar sereno.
E ao estremecer das pernas
E o quedar do corpo,
Vi meu pranto rolar silencioso
A quilômetros dali,
Sob um céu negro, sem estrelas.
Meu anelo, ainda acorrentado,
Brincava cego num pensamento absorto;
Absorto...
Absorto;
Absorto.


Frederico Salvo

5.2.11

Amor ao cair da tarde (sonetos conjugados)


I

Entro e estaco diante de ti
Que ressona deslumbrante e nua.
Curvilínea anca que é só tua
E que de igual feitiço eu nunca vi.

Pêlos claros na pele queimada
Douram-te à silhueta esguia
Sob a parca luz do fim do dia
Que ao teu corpo vem enamorada.

Teus cabelos longos sobre os ombros
Deixam minh’alma sob os escombros
Do desejo que me vem em marés,

Como ondas ao rugir do vento.
Eu, entorpecido, não me agüento
E louco, começo a beijar-te os pés.

II

Reages rápida num instinto,
Recolhendo a perna num rompante.
Tiras os cabelos negros da fronte,
Tonta como quem bebe absinto.

Mas logo percebes minha astúcia;
Lês nos meus olhos o meu intento
E então, num espreguiçar-te lento,
Serves teus pés à minha volúpia.

Beijo-te a carne das coxas mornas,
Cravo-te as unhas, mordo-te os flancos,
Sinto o teu cheiro invadir o quarto.

Enquanto gemes baixo, eu me farto,
Percorrendo, um a um, teus encantos;
Sorvendo-te o sumo que entornas.


III

Sobre ti meu corpo agora freme.
Idas e vindas ao bel compasso;
Prendes meu corpo como num laço;
Mil solavancos. O leito treme.

Palavras soltas, entrecortadas
Por suspiros, beijos e gemidos;
Fogo que aguça meus sentidos
E faz mais veloz as estocadas.

Tudo fica longe, o mundo gira.
O prazer maior se aproxima,
Vem chegando forte num espasmo.

Tesa como a corda de uma lira,
Cume do prazer, ápice do clima;
Estremeces num profundo orgasmo.


Frederico Salvo

3.2.11

Rompantes -III-

o macaco é o homem
sem macaquices
elaboradas.

**

De tanto esperar pela sorte
Acabou conhecendo
A rima que a vida fez.

**

o louco
é um revolucionário
patológico.

**

a chuva
é a água
ressuscitada.

**

Frederico Salvo

1.2.11

Incompatibilidade


Quando eu partir, solidão (parceira minha),
Talvez em noite alta ou tarde desmaiada,
Numa manhã de sol ou fria madrugada,
Entrego ao teu cuidado os frutos desta vinha.

Apago estes passos tortos da estrada,
Devolvo esta surrada ilusão qu’eu tinha,
Entrego esta esperança que sempre foi minha
De mão beijada a ti no fim desta jornada.

Deixo aqui neste mundo um grito de saudade,
Desemaranho o espírito, livro-o desta rede
Na última parada, salto desta linha.

No fim desta eterna incompatibilidade,
Eu vou de encontro à água que mata minha sede.
Enfim desato os nós e deixo-te sozinha.


Frederico Salvo