25.6.10

Calmaria - (poema musicado)






Sem vento não posso ir,
Nem quero ficar.
Como prosseguir,
Se p’ra velejar
A motricidade que o vento dá
É o que traz à vela, emoção;
É o que leva a nau a fluir pelo mar?
Minhas mãos não bastam
No exercício de remar.
Há tanta água, quanto solidão.
Será que em vão mil vagas enfrentei?
Serão meus dias como vãs respostas?
...(gaivotas pelo ar).
Na rude calmaria desse mar.
Na barca que se tem por coração.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

violões e voz: Frederico Salvo
(gravação caseira)

23.6.10

Prisioneiro


Parece-te assim tão improvável
E renegas sempre que possível,
Por julgares forte, impenetrável
Como fosse hiato intransponível,
Esse teu caráter admirável,
Invejado, irrepreensível,
Tão avesso a ato condenável,
Intocável, bravo, infalível,
Que cometas erro intragável
Ao teu paladar de alto nível.
(Não arriscas passo imensurado).
Mas um lado humano miserável,
À tua razão, inconcebível,
Faz-te prisioneiro do pecado.


Frederico Salvo

21.6.10

Esfinge


Tremo...
Diante desse abalo sísmico.
Um lábaro de tecido fino.
Do som, ao ribombar do sino,
A onda em amplitude máxima.

Calo...
Diante desse monte íngreme.
Um obelisco imensurável.
Segredo uno, impenetrável.
Um sentimento quase físico.

Finjo...
Que tudo isso é pouco, é ínfimo.
E vou como se fosse nada.
Da face pétrea, inanimada,
Travada, já não movo um músculo.

Amor...
Matiz que a tela virgem tinge...

Extremo.
Escalo...
Esfinge.


Frederico Salvo

18.6.10

Como em tenra idade


( A minha querida e saudosa Avó Petrina).


Quando for chegada a hora de rever-te
E lançar-me qual menino no teu colo,
Serás tu, dessa semente, como o solo,
Um abrigo caloroso a abraçar-me.

Como foste outrora quando pareces-te
Ser atada à eternidade, um esteio
Que do amor depositado em teu seio,
Veio a ser inabalável e inconteste.

Tenho em mim, do rosto teu, lembrança clara,
Uma fonte inspiradora que agora
Vem brincar nos versos meus como saudade.

Quando for chegada, então, a minha hora,
Vem correndo ao meu encontro e me ampara
Pela mão me leva como em tenra idade.

Frederico Salvo

15.6.10

Sesta


A tardinha descamba mole...
E meu corpo a balançar na rede amarela
Pelo esforço do meu pé direito
Sobre a cerâmica áspera.
Faz-se o vento que não havia.

Andorinhas cortam o ar
Com seus mergulhos desconcertantes
E vêm adentrar os vãos das telhas
Onde os filhotes iniciam grande rebuliço
E rompem ruidosa sinfonia.

Ontem não havia essa casa,
Nem essa varanda.
Não havia sequer uma sesta,
Nem essas mãos envelhecidas.
Vive o homem que não vivia.

Ontem não eram os amigos, distantes,
Nem tão ruins as notícias diárias.
Ventos eram comuns, sem balanço;
Redes...só nos ombros dos ambulantes.
Se eram amarelas...eu não sabia.


Frederico Salvo

13.6.10

Último ato


Essas desconexões, esses hiatos
A me tirarem o sono, importunos.
Esses momentos amargos, caricatos,
A me roubarem a paz feito gatunos.
Toda realidade em limpos pratos,
Fatos desconcertantes e soturnos,
Incômodos pesadelos. Seriam ingratos
Esses ataques ferozes e noturnos?
Quem sabe dizer que sim? Quem poderia
Atrever-se a dizer não de modo exato?
Quem, no gelo da razão se despiria?
Cada um, ao modo seu, firma um contrato
E se apraz do que plantou durante o dia
Na noite que se desfaz n’último ato.

Frederico Salvo

6.6.10

O rio São Francisco


Na Serra da Canastra um filete brota.
Verte das entranhas, cristalina, tanta,
A água que desliza e desce pela grota
Até despencar ligeira em Casca d'anta.

Tantos rios da esquerda, da direita,
Afluentes muitos que seu leito encorpam
E o grande Gaiola* que seu casco deita,
Vencem os desafios qu’estas águas cortam.

Rio das Velhas, Borrachudo, Verde Grande,
Paraopeba, Carinhanha, Abaeté,
Emprestam-lhe forças para atravessar

O sertão ressecado que se expande
Frente ao rio que encarna a grandeza da fé...
...E vai o São Francisco a caminho do mar.


Frederico Salvo.

*Nome dado a um tipo de embarcação que faz transporte no trecho navegável do rio.

PS.: Soneto inspirado na música de mesmo nome composta composta por mim em parceria com Tutty Camargo.

3.6.10

Inteligência inata


Continua atuando através de mim
A criatividade que não me pertence,
Que apenas passa por essa complexa obra.
A inteligência inata continua viva...
... em todas as coisas.
Ela inunda àqueles que a escarnecem
Ou aos que se enchem de preconceitos
E se afogam em injustiças,
Deixando-os à mercê do livre arbítrio.
Somos a sentença do nosso próprio castigo
Ou o fruto bom da nossa própria semeadura.
Não há, para ela, diferença entre um rei e um cachorro.
Ela apenas está ali,
A despeito de toda trama criada a sua revelia,
Sem se importar com todo o egoísmo que a engessa.
Quando será que veremos naquele ou naquilo
Que parece apartado de nós essa essência comum a tudo?
Quando será que enxergaremos essa sutil unicidade?
Quando for a hora, já não haverá choro sem consolo,
Nem haverá estômago a roncar sem socorro,
Também não existirão mais guerras a espocar por tão pouco.

Frederico Salvo

1.6.10

Ventura


Mesmo que o sonho não encontre a meta,
Haverá busca de sentido pleno.
Mesmo que o ímpeto seja pequeno
E a trajetória termine incompleta,
Haverá vida como combustível,
Haverá fogo no corpo da seta,
Pra que não haja escuridão completa,
Pra que não seja a inércia irredutível.
Porque mais vale morrer caminhando,
Travar a luta, seguir confiando,
Do que esperar que caia do infinito
Essa ventura que esperamos tanto.
Não pode a vida perder o encanto...
Não deve o homem se entregar contrito.


Frederico Salvo