30.1.10

Nu (poema musicado)




Se o trem descarrilou
Não há como insistir.
Melhor, então,
Sair pulando nos dormentes pelo chão.
Um sorriso a luzir.
Nos trilhos do porvir,
O coração, deixar ir.
Não importa o quanto andar,
Nem quantos dias serão mais por caminhar
Sob o céu, sobre o chão;
Sublimar...
Tudo o que possa apagar essa luz.
Mira esse olhar onde finda o sol
E deixa esses trilhos te levar...
Nu.

Frederico Salvo

Música: Frederico Salvo / Violões: Frederico Salvo
(Gravação caseira)

28.1.10

Intempéries e infortúnios


Ah, essa navalha nas palavras
A dilacerar tua carne.
Essa ácida saliva em chuva corrosiva
A dissolver a tinta que enfeitava tua fachada.
Por que não sou mais apenas flores?
Por que não mais retiro delas os espinhos?
Tuas mãos estão feridas
E teu sangue esvai-se pelos braços...
Braços níveos qual porcelana fina.
Ah, esses punhais monossilábicos,
Essas interjeições em quádruplo sentido.
Meus olhos têm muito a dizer,
Minha pele, energia a oferecer,
No entanto, serei eu somente faca?
Carinho. Eis o que tenho.
Admiração. Amor, quem sabe.
A natureza apesar de bela
Tem suas intempéries.
Tenho meus infortúnios.
Mas haverá, como sempre houve,
Manhãs lindas...
Tardes ensolaradas.


Frederico Salvo.

25.1.10

Soneto mentiroso



Quantas musas tenho eu (tu me perguntas).
São dezenas, são centenas, são milhares.
Prostitutas, comedidas e defuntas;
As que amo e as qu’encontro pelos bares.

Todas elas têm um pouco do que quero,
Eu desejo em cada uma, todas juntas;
Umas têm as qualidades que venero,
Outras fazem como tu que me assuntas.

Nelas perco o meu juízo, me embriago
E mergulho de cabeça em cada afago
Me arriscando nesse jogo perigoso.

Não me leve muito a sério se te digo,
Que de ti apenas quero ser amigo...
Meu maior defeito... é ser um mentiroso.


Frederico Salvo

23.1.10

Lâmina


Cortou-me um quê de tristeza...
Mesmo não tendo tristeza, quê.
Poderia ser a ou érre,
um tê, um é ou um ésse;
um i ou talvez um zê.
Mas cortou-me a alma em postas,...
Sorrateira e pelas costas
A lâmina que não se vê.


Frederico Salvo

21.1.10

Os quatorze versos


Bem aqui nessa caixa hermética
Cabem sonhos, idéias e amores.
Cá dentro dessa forma estética
Avizinham-se risos e dores.

No ígneo cadinho da vida
Liquefaz-se a verdade que somos
E aqui a matéria escolhida
Se reparte em pedaços ou gomos.

Apesar de restrito o espaço
Trago sempre atada num laço
Toda a trama a que me comprometo.

Cabe assim esse mundo inteirinho,
(Como um odre a conter todo o vinho)
Nos quatorze versos do soneto.


Frederico Salvo

19.1.10

Humano


O mar... mesmo após a tormenta se agita.
Em mim não há só essa água tranqüila,
Nem só essa brisa que calma sibila.
A boca que cala é a mesma que grita.

Se fui tanto mais esse rio sereno,
Também fui a língua da fala aflita,
A dor lancinante, a palavra maldita
Que fere e inocula exato veneno.

Que saldo tens de mim tu que me sabes?
Em ti, sou eu mais que a dor dessa mágoa?
Sou mais que o vento que agita essa água?

Ninguém é só flores; ninguém é só males;
Ninguém só certeza; ninguém só engano;
Pois ser inconstante é também ser humano.


Frederico Salvo

17.1.10

Pelas colinas da minha aldeia


Será que em ti ainda evapora
O humor bendito daquela bruma?
Será que quebram, a fazer espuma,
Algumas ondas como houve outrora?

Ainda acordas de madrugada
Com um verso meu a tirar-te o sono?
Tens a presença do abandono
Mesmo que estejas acompanhada?

Pois eu confesso que aqui campeia
Pelas colinas da minha aldeia
Essa lembrança que a mim consome.

Bem no recôndito d’alma mora
A acompanhar-me p’la vida afora
Essa saudade a gritar teu nome.


Frederico Salvo

12.1.10

Das incertezas do amor - I -


Que perfeita harmonia
Hão de ter nossos corpos
Para, de amor, afirmarmos
Que estejam plenos?

Soubéssemos que tudo desaguaria aí,
Nesse poço aonde tantos vão sedentos
A procura de saciar a sede.
Pudéssemos ter em nossa face
O rubor dos satisfeitos amantes
E provar a indescritível sensação
De que não haveria a menor importância
Se o mundo finasse justamente agora
Que estamos nos braços um do outro.

De certo temos esse ímpeto
Garroteado pela libido,
Essa coragem maturada
Pelos desacertos e quedas,
E ainda a vontade absurda
E insana de querer tornar
Pétrea a felicidade.


Frederico Salvo

9.1.10

Tango


No último vagão da última viagem;
No auge da emoção, na ânsia prorrogada.
Aos ecos da canção há muito não tocada,
Levando a solidão rugindo na bagagem.

Partido coração, partindo rumo ao nada;
Estúpida razão roendo a paisagem.
Na réstia da paixão luzindo a tua imagem,
Um sentimento vão, a dor indesejada.

Estranho esse amor, enfeita-se de engodo;
Convida-me a dançar um tango sobre o lodo.
Tufão tão furibundo em trajes de aragem.

Talvez, sem meu olhar, o mal nem seja tanto
E haja mesmo ardor a florescer, no entanto,
Um pé vai no vagão o outro na paragem.


Frederico Salvo

7.1.10

Quem quiser saber de mim


Quem quiser saber de mim, olhe pro espaço,
P’ra cadeia de montanha, p’ro regato.
Quem quiser saber de mim de modo exato,
Olhe o filho que a mãe traz no regaço.

Quem quiser saber de mim, sinta o aroma
Que a chuva fria traz à terra quente;
Quem quiser saber de mim, plante a semente
E depois, o fruto novo, apanhe e coma.

Quem quiser saber de mim ou de quem seja,
Basta olhar a sua volta aonde esteja
Ou fitar o azul do céu, andando a esmo.

Quem quiser saber de mim, silêncio faça
E procure perceber o que se passa
No recôndito profundo de si mesmo.


Frederico Salvo

4.1.10

Distância



Da minha boca nenhuma palavra
Que não me traga uma lembrança tua,
Que não me venha desvelada e nua
Com força tal qual uma onda brava.

Na minha mente nenhuma imagem
Que não contenha nela a tua face,
Que não me inunde a alma e não perpasse
O meu caminho aqui nessa viagem.

Porque em ti repousa tod’essência
Que a minha vida há muito se habitua
E, revelada, trago em consciência.

Se a saudade arde, insinua,
E insiste agora estar em evidência,
É em razão dessa distância crua.


Frederico Salvo