28.9.09

Vida crua


Por trás de um sorriso escancarado
Há sempre um certo tanto de amargura.
Além do dia claro, a noite escura,
Calma espera a tecer o seu bordado.
Mas, nesta mesma noite, as estrelas
Salpicam o manto negro desfraldado
De modo que o olhar desconcertado
Se enche d’esperança e brilho ao vê-las.
Aqui no peito agora é noite alta.
De algo que nem sei, eu sinto falta;
A fé espanta o breu da vida crua.
E mesmo ao sol que inunda essa varanda,
Sentindo o cheiro bom que a brisa manda,
Eu lembro a noite... olhando a clara lua.


Frederico Salvo.
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Direitos efetivos sobre a obra.

25.9.09

Oculta chama


Uma mínima parte da alma é a que clama,
Mas maior é a que não percebo: oculta chama;
Tão imensa quanto o profundo oceano
Que se agita sob turbulenta tempestade,
Mas que guarda em si intensa paz e majestade,
Muito além do que se percebe por engano.
Calmas águas na profundeza abissal,
Tão distantes do casco aflito dessa nau
Que as vagas da superfície por ora
Arrebatam e castigam ferozmente;
Onde os peixes, feito anjos, simplesmente
Não dão conta se elas vêm ou vão embora.
Se pudéssemos seguir viagem submersos
E enxergássemos além de humanos versos,
Haveria mais que mera poesia.
Para além dessa procela fustigante,
Na profunda vastidão inebriante
Onde brilha a paz na luz da estrela guia.


Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.

19.9.09

O ébrio


Na ponte, à base do pilar, vejo o negrume
Da chama que há pouco aqueceu a alma vazia
D'um corpo que ora adormece à luz do dia,
Jogado, invisível, estendido num tapume.
Alguns transeuntes passam e dizem: _ Ébrio!
Nem mesmo conhecem o porquê daquela sina.
Seguindo a razão social, a alma bovina,
Só julgam, tal qual semelhantes no sinédrio.
Ali, eis que jaz um restolho d'esperança
No seio de sã e notável temperança
De quem, num momento extremo, a dor se incumbe.
E o homem sensato então tomba sozinho
Ao gosto de intenso e injusto burburinho,
Assim como o bem, nessa vida, ao mal sucumbe.


Frederico Salvo
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12.9.09

Nostalgia


Depois de tod'esses anos ainda sinto
Estranha força que em mim floresceu um dia.
Às vezes nego que exista, outras vezes minto;
Digo a mim mesmo que é menos que nostalgia.
Ronda minh'alma um não sei que jamais esqueço;
Ferve em caldeira sobre ígnea temperatura.
Faz do meu peito, a saudade, seu endereço;
Sou como fruto que lembra à semeadura.
Gira em vestido rosado seu corpo níveo,
No mesmo tom que colore formoso lábio...
A minha volta o mundo se aquieta.
Saio do sonho assustado ao cair da tarde,
E ela, a despeito da imagem que ainda arde,
Nem mesmo sabe que atrevo-me a ser poeta.


Frederico Salvo
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5.9.09

Simplicidade


O estômago ronca ao meio-dia.
_ Hora da bóia! – Grita Maria. –
E a criançada desanda ladeira abaixo.
Comida simples, pessoas simples;
Nada de mais simples havia.
Tocava profundo a verdade:
Bem melhor simplicidade
Do que barriga vazia.

Frederico Salvo
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