30.5.09
Desejo
À espreita de ti o meu desejo,
Que floresce à sombra da libido
Por esse teu ar desprotegido,
Mergulhado em profundo pejo,
Traz um arrepio estonteante,
Capaz de deixar paralisado,
Perdido, tonto, hipnotizado
Esse teu poeta delirante
Que por mais que queira não consegue
Esquecer-te a beleza pujante
Que embriaga a quem quer que seja.
Digo-te já: Eu me encontro entregue,
Porque vai nesse meu peito arfante
Esse coração que a ti deseja.
Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.
25.5.09
Vento bandido
E veio o vento bater em minha porta.
Eu, inocente, abri sem constrangimento.
_ Posso entrar um pouco? – perguntou-me o vento. –
_ Sim! Mas a casa é simples; se não se importa.
Ele entrou impávido, num torvelinho
Revirou a sala, varreu a cozinha,
Soprou meus poemas da escrivaninha,
Deixou minhas certezas em desalinho.
Depois, num rompante, saltou a janela,
Uivou no terreiro, bateu a cancela,
Quebrou a roseira que eu amava tanto.
Fiquei à soleira, mudo, entristecido,
Porque constatei que o vento bandido,
Levou-me a inocência, deixou-me o espanto.
Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.
23.5.09
Ledos enganos
Os enganos são enganos
Por não os sabermos serem
Quando nos enganamos.
Cheios de falsas promessas seduzem.
Mostra-nos sua face pura.
Por nossas mãos de criança conduzem.
Lança-nos em noite escura.
Cheios de fria malícia confundem.
Arrastam-nos vida afora.
Usando de fina astúcia, iludem.
Vejam como estou agora.
Os enganos são enganos
Por não os sabermos serem
Quando nos enganamos.
De maneira simples fascinam.
Adoçam-nos o paladar.
De modo sorrateiro se aproximam.
Falam-nos de um mundo ímpar.
Àqueles que estão cansados, animam.
Fazem-nos mudar os planos.
E com o passar do tempo confirmam:
Apenas ledos enganos.
Os enganos são enganos
Por não os sabermos serem
Quando nos enganamos.
Frederico Salvo
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Direitos efetivos sobre a obra.
20.5.09
Trem
Quem já experimentou viajar num trem de ferro sabe tratar-se de uma indescritível experiência.O grande poeta Manuel Bandeira, escreveu um divertido e bonito poema onde descreve uma viagem dessas. Uma graça de poema. Inspirado nele e também em minhas lembranças (as melhores que trago na memória) de viagens que fiz por alguns lugares aqui de Minas Gerais, resolvi também me arriscar em alguns versos a respeito do mesmo tema e sob a mesma ótica de Bandeira. Como se o "eu poético" fosse o próprio trem de ferro. Deixo, então, para a leitura de vocês os dois trabalhos; a começar pelo meu.
. . . . . . . . . . . . da estação . . . . . . . . . . .
. . . . . devagarzinho . . . . . . . . . . . . . . .
deslizando . . . . . . . . . . . . . pelos trilhos
. . . . . . . . . .num chiado . . . . . . . . . . . .
vou partindo . . . . . . . .vou rasgando a
ventania. . . .pelas curvas do caminho
. . . .disparando . . .num rompante. . .
vou seguindo. .
paro, não paro, paro, não paro, paro ,não paro
Passa boi, passa boiada,
Passa galho de ingazeira,
Passa campo, passa estrada,
Passa um buritizeiro,
Passa rio, passa ponte,
Bambuzal passa pertinho,
Passa um belo horizonte,
Passa breve um passarinho,
E vou. . . . . . . . .
Sigo contente, sigo contente, sigo contente, sigo contente,
Sopro forte a fumaça,
Sopro grosso, sopro fino,
Passa mato, mato passa,
Passa burro com menino,
Vai passando cachoeira,
Fazenda, cerca, lagoa,
Passa tanta bananeira,
Passa brejo com taboa. . .
Paro, não paro, paro, não paro, paro, não paro
Passa casa, passa fio,
Passa moça na janela,
Passa cadela no cio,
Co’uma fila por trás dela,
Passa túnel, passa poço,
Pescador com seu caniço,
Passa velho, passa moço,
Passa porco bem roliço...
E vou. . . . . . . . . . . . .
Sigo contente, sigo contente, sigo contente, sigo contente,
De repente passa carro . . .passa prédio
. . . . . . passa gente. . . . . . . .propaganda
. . . . . . . . . . . de cigarro . . . . . . . . . . . . . .
Numa placa. . . . . . . . . . . . .bem à frente
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . passa moça que
passeia . . . . . . . . . . . . . . tanta graça . . .
em sua forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
meu apito . . . . . . . . . . . . . . . . . alardeia . .
. . . . . . . . . . . . . . . vem chegando . . . . . . .
. . . . . . . . . . a plataforma . . . . . . . . . . . . . .
paro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .não paro . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . paro . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . não paro . . . . . . . . . . .
. . . . . paro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . não paro . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .paro.
Frederico Salvo
http://www.releituras.com/mbandeira_bio.asp
TREM DE FERRO
Café com pão
Café com pão
Café com pão
17.5.09
Conta, Minas!
13.5.09
Rebento
Abruptamente me vem um verso
Que eu mais que depressa transcrevo.
Perguntar de onde vem? Não devo;
Anoto. Mesmo que disperso.
Em seguida outro verso salta;
Uma tímida imagem se esboça,
Tenaz persistência endossa
E eu sigo a tramar o que falta.
Amo, vôo, ou conto uma história
Na cadência do pensamento,
Palheta de muitos matizes.
Versejar é mesmo uma glória
É como parir um rebento,
Traçando eternas cicatrizes.
FredericoSalvo
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Direitos efetivos sobre a obra.
10.5.09
Ausência (indrizos conjugados)
I
O que tens a me dizer agora
Que já vai alta e avançada a hora
E as nossas almas tanto se confundem?
Se ao calar-me surge o teu nome
E um calor em brasa me consome
Sob as lembranças todas que nos unem.
No quarto as horas, em insônia, voam.
No dorso meu as noites se amontoam.
II
E eu que nem sombra sou de Atlas,
Pra sustentar a noite e estrelas altas
E nem a lua cabe em meu sorriso,
Fico a rolar pelos lençóis, insone,
Qual pena leve n’olho do ciclone,
Perdendo o sono ao soar dos guisos.
E os latidos dos cães ao longe ecoam;
E as horas todas no teu mar escoam.
III
Pelas marolas vão meus pensamentos,
Como jangadas ao sabor dos ventos
Que atormentados sopram-lhes as velas.
Em plena madrugada vou singrando,
Os ventos irascíveis vão uivando
Nos meus ouvidos, alto, o nome dela.
As horas todas feito vagas soam.
Na arrebentação rugindo me atordoam.
IV
Agora em meu leito como náufrago,
Sentindo, da ausência, o toque áspero,
Vou recolhendo o que restou de saldo:
Uma imensa dor, um modo trôpego,
No rosto opaca cor, um pulso rápido...
O que sobrou de mim sob o rescaldo.
As horas todas queimam, incendeiam;
As minhas cinzas soltas devaneiam.
V
Quando ao amanhecer a brisa leve
Me presenteia com um sono breve,
Vejo-me em sonho a beijar-lhe a face...
E a penumbra ganha colorido,
E o meu olhar se enche de sentido
Sobre o calor divino desse enlace.
As nossas horas todas se confundem
Sob as lembranças tantas que nos unem.
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3.5.09
Línguas
Enquanto línguas cortantes, ferinas,
Só dão notícias das vidas alheias.
Enquanto arestas, farpas pequeninas
Se enroscam em ardilosas teias,
Outras entoam constantes, divinas,
Em outros pontos, em outras aldeias
A poesia de sensatas rimas,
A melodia de maviosas colcheias.
E nessa arte, desprendidas servem,
Enquanto as lavas desse mundo fervem
Num vulcanismo de intensa fúria.
São como botes contra a correnteza
Desafiando a humana natureza,
Num oceano de ingratidão e injúria.
1.5.09
Nessa noite tão serena
“Viajar é nascer e morrer a todo instante.”
Em cada terra que chego, nasço e morro,
Pois nela estará presente tudo e todos.
Existirão as verdades e os engodos
E se houver negligência, haverá socorro.
Nos passos dessa viagem vamos juntos
Carregando qualidades e defeitos,
Por sermos todos humanos e imperfeitos
E acabarmos todos iguais (como defuntos).
Cada pessoa traz em si a humanidade,
Cada segundo é também eternidade,
Cada um de nós, do todo, complemento.
E a escrever nessa noite tão serena,
Estás aqui entre os versos do poema;
Também eu estou em ti nesse momento.